domingo, 23 de junho de 2013

Leonel Brizola, por Leonel Brizola


Brizola era um homem que tinha a capacidade de racionar falando, segundo ele mesmo dizia. E era dono de uma prosa fantástica. Suas palavras, seu raciocínio sempre claro e compreensível, cativavam os interlocutores e explicam seu sucesso primeiramente no rádio e, depois, na televisão. Brizola tinha o dom da palavra. E gostava de falar, contar suas experiências, sua vivência e a sua compreensão de mundo. Nestas três transcrições inéditas de falas suas gravadas por Apio Gomes, ele mostra um pouco do que pensava. Transcrições que farão parte de livro que estamos preparando, Apio e eu, para ser lançado ano que vem – no 10º aniversário de sua morte – como segunda parte do reeditado “Com a Palavra Leonel Brizola”, de 1994 – que ele gostou muito.
Osvaldo Maneschy


Brizola na Churrascaria ‘Espetão Gaúcho’, em campanha para prefeito, em 26/8/2000.
“Companheiras e companheiros; prezados amigos. A minha saudação ao dono da casa e a todos os seus colaboradores – aqueles que estão aqui nos servindo e aqueles que estão lá atrás, preparando coisas tão boas, como este churrasco, esta polenta; todas estas iguarias tão saborosas, assim como este serviço também.
“Eu quero saudar os companheiros de Campo Grande, os companheiros da Zona Oeste. Vocês sabem que nós temos um lugar no nosso coração para a Zona Oeste. Mas muito especial mesmo.
“Vocês sabem que quando eu comecei a minha caminhada no Rio de Janeiro, ainda esta região se chamava Zona Rural; e nós achamos que se devia chamar Zona Oeste, porque era assim a definição das novas vocações.
“Aqui, sempre marcamos uma presença muito importante do Trabalhismo, do nosso Partido. E a verdade é que, desde quando vivia o Presidente Getúlio Vargas, era também a Zona Oeste uma espécie de baluarte de apoio à sua política; baluarte do Trabalhismo no Rio de Janeiro.
“E eu tenho a honra de dizer que sempre contei com a Zona Oeste, a ponto de que nós tivemos, em uma eleição, três urnas unânimes. Precisamente, estas três urnas unânimes foram lá em Santa Cruz. Três urnas unânimes! Olha, até os mesários, até os fiscais dos outros partidos, todos aclamaram a nossa causa. Porque, finalmente, fomos nós – trabalhistas – que emprestamos alguns fiscais aos outros partidos; fomos nós que presidimos e administramos aquela cena. A maior glória que podíamos ter foi esta: de ter três urnas por unanimidade.
“Fizeram várias reportagens públicas para que todo mundo visse. Foram votos unânimes. Isto é uma coisa que não deve ter acontecido em lugar nenhum do nosso país”.

No ato pelos 20 anos da fundação do PDT, na sede do PDT-RJ, em 25/05/2000
“... Bom, eu terminei o meu período lá (no RS), em 62. E fui candidato a deputado pelo Rio de Janeiro. Então, o seguinte: eu vim aqui e fiz cinco ou seis comícios. Eu, como não conhecia o Rio de Janeiro (vejam vocês, chegar de avião aqui, ir no Catete, vir aqui na cidade, ir para um hotel em Copacabana e ir embora). Não conhecia o Rio de Janeiro. Então, chegava de tardezinha, já de noitezinha, e ia para o comício. Eu me lembro: foram cinco ou seis comícios. Grandes comícios. Se vocês me disserem: aonde foram? Eu não sei. Não conhecia… Em Bangu, eu sei que foi um. Mas o Talarico deve saber. E outros sabem.
“Mas, olha: foi uma coisa colossal.
“Ali já fizemos um acordo com o Partido Socialista. Elegemos um senador (Aurélio). Eu me lembro que eu elegi doze ou quatorze deputados na minha garupa. Fizemos uma votação de praticamente um terço dos votos do Rio de Janeiro. Quer dizer que, se fosse hoje, devia andar na base do quê? De quase dois milhões de votos. Então, elegemos uma quantidade. Eu me lembro que o último tinha 300 votos”.

Campanha para prefeito do Rio, em 20/09/2000, na Câmara Comunitária da Barra
“Eu não assumo nenhuma posição fechada. Eu quero ver. Tento, sabem?
“Eu tenho uma fama de estadista… Tem uns caras que me botam esse negócio: ‘que é um estadista, é não sei o quê’… Sabem que eu não sou? Eu não sou sectário. O que considero é que cada caso é um caso. Todas aquelas brigas que tive com aquelas companhias americanas, sectários foram eles!
“Por quê? Primeiro (a de energia), antes de assumir eu já tinha feito ligações para eles irem falar comigo. Naquele tempo, as chefias dessas múltis eram, todas elas, autoritárias. Todos eram autoritários. Todos autoritários. Então, foram lá, falando castelhano comigo. Eu disse: o que quero é um milhão de quilowatts. E eles: “Não sabemos… tem que investir…”.
“E nós, paralelamente, vínhamos tomando nossas providências: não íamos entregar nossos destinos a eles. Paralelamente, vamos ver como é a legislação, como é o negócio, não é? Criamos uma comissãozinha estadual (amanhã se não for ficar com o serviço, ela fiscaliza). Enquanto eles estavam lá, eu disse: vocês vão fazendo experiência, vão fazendo uma usina pequena, uma hidrelétrica para ir tomando prática; bem pequenininha; pode ser uma represa.
“Estendemos umas linhas ali naquela zona que não tinha eletricidade (na zona rural). E fomos levantando o acervo daquela gente lá. Tanto lidamos, tanto lidamos. E eles vinham; e vinham… e me enrolavam… Eu digo: bom, vocês têm que me dizer o seguinte… Eu preciso de um milhão de quilowatt aqui. Vocês me digam o que querem; quais são as condições. E eles: “Mas nós não temos capital”. Naquele tempo, a mentalidade do empresariado era outra.
“Eu me lembro que contratei três auditorias – dois escritórios nacionais e um estrangeiro – para ver o que eu ia fazer. Sabem o que os três me disseram? Que eu não pensasse nunca em expropriar, em encampar, por causa da condição do capital; porque era uma coisa que já estava ali (o capital de uma empresa americana). Portanto, se o Estado quisesse fazer investimento, que fizesse em outra coisa que gerasse emprego. Aquilo já estava ali, que se deixasse ali. Que o Estado aplicasse em outra coisa.
“Eu achava, realmente, razoável. Mas como eles não se propunham a desenvolver…
“Depois mudou essa concepção. A concepção ficou a seguinte: pegava as empresas do Estado e entregava tudo. Quando que o correto é ‘deixa a empresa aí, vamos racionalizar e vamos abrir outros campos para o capital estrangeiro fazer mais; e dar mais empregos’. Mas não. Achavam melhor entregar tudo e deixar como está. Agora não tem. Está faltando agora.
“Então, nós adotamos esta linha de retomar o serviço, porque não chegamos a um acordo.
“No caso dos telefones, chegamos. Fizemos um acordo: uma companhia mista, sugerida por mim. Era a ITT, lá. Fizemos um juízo arbitral (foi até um engenheiro daqui – engenheiro Rangel).
“Fizemos um levantamento de tudo, deu tanto milhões de dólares. Como era um juízo arbitral, aceitamos: eles entravam com 25%, o Estado com 25% e os usuários, que iam comprar os telefones, com 50%. Aceitaram; aprovaram em Nova Iorque; comemos um churrasco… tudo isso aí… Está tudo muito bem.
“De repente, eles ficaram quietos. Mudaram a direção lá. Passaram-se dois meses, e eu procurei saber o que era. Ai, veio aquele homem: “Não… Vou avisar em Nova Iorque para que eles venham conversar com o senhor”. Perguntei: e o nosso acordo? – “Eles vêm conversar com o senhor”.
Estiveram lá três diretores que disseram que a companhia tinha reestudado o assunto – unilateralmente! – e chegaram à conclusão que não dava para fazer uma negociação nessas bases.
“Eles recuaram.
“E sem solução (ele não ofereceram alternativa), nós marchamos para a expropriação. E aquilo foi muito bom, porque outros governadores seguiram: Lacerda criou uma companhia telefônica; em São Paulo também. Foi indo… E depois deu a Embratel.
“Então, eu não sou estadista, como não sou também privatista, sob o ponto de vista de uma doutrina. Meu raciocínio, por exemplo, é assim: o natural é que haja livre iniciativa entre os indivíduos. O indivíduo tem que ter o direito de optar: se quer estudar, se não quer estudar; se quer ser engenheiro, se quer ser médico; quer morar aqui, quer morar aonde; tentar a vida aonde quiser.
“Isto é a opção, é a liberdade.
“É o princípio da livre iniciativa individual.
Depois de esgotar todas as possibilidades de entendimento, eu digo: não; eu tenho que buscar a lei; e vou agir de acordo com a lei.
“Não foi fácil conseguir assinatura do Presidente Juscelino Kubistchek, porque aquilo estava centralizado no Governo Federal. Precisava de uma licença. Eu fiz lá uma estratégia e peguei a assinatura dele. Esta estratégia, depois eu conto. Peguei a assinatura dele e paf! – usei a lei.
“Já tínhamos feito um levantamento, a avaliação, o tombamento. Como eles tinham levado muito lucro além do que podia levar (lucros ilegais): eles tinham que indenizar o pessoal; eles tinham muitas extensões de redes que deviam à população (eles só estendiam a rede, paga pela população).
“Eu descontei tudo aquilo, e eles estavam nos devendo ainda.
“Então, eu desapropriei por um cruzeiro. Fui ao juiz, depositei um cruzeiro, e encontrei um juiz com ‘J’ maiúsculo, e ele – pá! – emitiu-me a posse.
“Eu digo a vocês: se fosse uma empresa carioca, paulista, mineira ou mesmo gaúcha, procedendo daquela forma, eu ia à desapropriação. Não é só por ser estrangeira (naquele tempo eu era um inocente).
“Mas eu fiquei surpreso, quando eu pratiquei aquele ato. Olha, começou uma campanha nacional: os jornais do Chateaubriand saíram a campo e… pau daqui, pau dali; briga daqui, briga dali – por toda parte. Eu passei a ser um perigo nacional. E noticiários na Europa, Estados Unidos, contra mim – fotografia nas revistas. Até na revista Times: eu a cavalo, parecia um bandido… (é… me botaram…).
“E eu estranhava: como podem fazer isso comigo?”…

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