sexta-feira, 28 de junho de 2013

Flávio Tavares - "Brizola foi um estadista"

Das muitas histórias que Leonel Brizola me contou no exílio, em meio aos mútuos segredos que a luta de resistência à ditadura nos levava a confessar um ao outro e a esquecer no instante seguinte (e, assim, nada revelar jamais, caso nos prendessem e torturassem), uma delas permanece intacta em minha memória.
Ele tinha pouco menos de dois anos de idade, morava no interior de Carazinho, no campo, quando divisou o cavalo em que o pai tinha saído de viagem no dia anterior, naquele final de 1923.
- Lentamente, o cavalo se aproximou, cansado, cabeça baixa e, passo a passo, parou junto à casa. Minha mãe abriu a porta e gritou, num grito espantado de dor, mais grunhido do que outra coisa, em berros cada vez mais fortes. Tive medo mas não chorei, e me agarrei no vestido da minha irmã mais velha para me proteger daqueles gritos. Minha mãe gritava e eu não via nada. Só o cavalo parado ali. Parado e triste.
O menininho Leonel não podia entender que a mãe gritava exatamente porque também não via nada. O cavalo voltara sozinho e sem ninguém, dando o aviso de que o cavaleiro fora morto e o cadáver estava lá longe, no campo. Eram os dias seguintes à Revolução de 1923, já com o armistício assinado entre os rebeldes maragatos e o governo, mas a paz ainda não voltara aos campos e o ódio da guerra continuava pelo Rio Grande afora. O pai, um maragato, era o cavaleiro e fora assassinado por vingança. A triste vingança dos vencedores sobre os vencidos.
- Aqueles dias foram terríveis mas minha mãe nos ensinou a não recorrer à vingança, Félix! - concluiu Brizola, chamando-me pelo nome de guerra que ele próprio me dera e que usávamos em todos os momentos da clandestina resistência armada.
Cumplicidade
Recordo o episódio agora, ao evocar o que ele foi para buscar defini-lo. Os adjetivos que definem a personalidade de Brizola são muitos, mas para explicar porque se transformou em líder e porque sobreviverá na História, bastam dois: audácia e paixão.
A partir de 1952, nos meus 18 anos, ele ainda deputado estadual, a nossa convivência foi sempre próxima, mesmo nos breves tempos em que as posições políticas nos separaram, como em 1955, na eleição que o levou à prefeitura de Porto Alegre. Em 1961, na campanha pela posse de João Goulart na Presidência da República - que ele organizou e comandou -, permaneci a seu lado (como muitos outros) durante 24 horas ao dia, ao longo de uma semana, revólver à cintura e sem jamais dormir. Pela primeira vez, vi então como a sua audácia brotava da paixão, transformando a palavra na luz de um relâmpago contínuo que jamais se apagava. A sua palavra, que a Rádio da Legalidade difundia pelo país inteiro, mobilizou multidões, derrotou o golpe militar e Jango pôde voltar ao Brasil para assumir a Presidência.
Só após o golpe militar de 1964, nos anos da luta de resistência à ditadura, porém, fui conhecê-lo de corpo inteiro. Primeiro, ele no exílio no Uruguai e eu em Brasília, viajando incógnito para, na clandestinidade, tramar a conspiração nos tempos do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), do qual ele era o comandante político e eu o coordenador operacional do Planalto Central e norte do Brasil. Conheci, então, o minucioso Brizola que me ensinou como me comunicar por uma seqüência de números e letras, por meio de uma "palavra-chave", indecifrável até pelos melhores decodificadores criptográficos. Mais tarde, concluída e abandonada a etapa da resistência armada à ditadura, eu próprio fui também um exilado. E em Lisboa, de 1978 a 1979, chegamos a morar no mesmo hotel, nos dois anos anteriores à anistia política que nos fez retornar ao Brasil.
Tive, então, novos descobrimentos: além da antiga cumplicidade da luta armada, houve a intimidade familiar, com a sua netinha Laila e meu filho Camilo brincando juntos e se misturando às crianças portuguesas, sob o incentivo de Neuza Goulart Brizola, que funcionava como avó de ambos.
Ao contrário do que se pensava no Brasil, percebi que Brizola era um ouvinte atento, que prestava atenção a tudo o que dizia o interlocutor, mesmo parecendo desinteressado. Foram os anos em que "o grupo de Lisboa" o ajudou a abrir-se às novas correntes do socialismo não-autoritário, para que "o novo trabalhismo" não ficasse estancado no getulismo, por maior estadista que tenha sido Getúlio Vargas. Nesse período, o português Mário Soares e o alemão Willy Brandt entram na vida de Brizola e, com paixão, ele descobre Marx, mas sem adotar os padrões do marxismo rígido de uma época ainda dominada pela hegemonia doutrinária da União Soviética em boa parte da esquerda.
Lembro-me da paixão com que contou que Willy Brandt o levara a conhecer a casa onde Marx nasceu na Alemanha, perto da fronteira da Holanda:
- Tudo intacto, talvez tenha sido recomposto, mas até os livros de Marx lá estão! - disse-me no seu pequeno apartamento do Hotel Flórida. Nesse dia de 1978, em Lisboa, chamou-me outra vez de "Félix", o antigo codinome que ele me dera em 1965 em Montevidéu, e que já não usávamos há anos.
Estranho, no final de 1979, na derradeira reunião com o "grupo de Lisboa" antes de que viajasse a Nova York para, de lá, regressar ao Brasil, outra vez me tratou pelo antigo "nome de guerra", totalmente em desuso. Tão em desuso que, depois, nos 24 anos de retorno ao Brasil permaneceu esquecido.
Neste 2004, porém, na noite de 31 de maio, Brizola compareceu a uma livraria de Ipanema, no Rio, para a sessão de lançamento do meu livro, o seu último ato público (dois dias depois foi ao Uruguai e de lá voltou infartado). Algo estranho ocorreu. Ele, que antes era sempre o último a chegar, chegou antes de mim e foi recebido pelo meu filho Camilo, "o mágico", como ele o chamou, lembrando-se das brincadeiras de criança em Lisboa. Quando apareci e fiz a pergunta clássica de "como vai?", mostrou que a velha paixão continuava:
- Olha, Félix, nesta altura da vida, ando meio cansado, mas até estou bem no cansaço, pois significa que sigo batalhando e não me calo.
Todos estranharam o tratamento de "Félix" e eu tive de explicar que não era um lapso da idade, mas uma reminiscência dos tempos difíceis. Três horas depois, na despedida, Brizola outra vez me chamou de "Félix" e o tomei como amistosa deferência. Só agora, vejo que era uma forma inconsciente de despedida. O comandante se despedia do soldado, com a senha secreta de combatente.
Ele é insubstituível até no jeito terno da despedida. Não apenas na forma de fazer política, com franqueza, dizendo o que pensava, sem farisaísmos nem simulações, sempre com uma solução concreta ao que apontava com a palavra. Às vezes, com isso até perdia votos, pois nunca foi um caçador de votos, nem um político de palavrório oco.
Foi um estadista.
(Texto publicado na Zero Hora em 29/6/2004 sob o título "Codinome Félix")

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Kolecza: O tesouro que ele nos legou

Por Carlos Alberto Kolecza - O legado ideológico de Leonel Brizola repousa nas camadas ainda lúcidas da entrevada memória brasileira à espera de um lampejo do instinto de sobrevivência. Não pode ser incontornável a perda da consciência de dignidade de um povo.
Contra todas as expectativas agourentas, aqui estamos, obrigados à reflexão impensável de como será o Trabalhismo sem Brizola. Brizola não chegou lá, mas graças à sua clarividência e determinação somos os herdeiros do maior tesouro político do Brasil, a doutrina trabalhista. Só por isso, Brizola tem direito a figurar na galeria dos patronos de formação da consciência de cidadania. Depende de nós a preservação do acervo vivo de pensamentos e sentimentos que ainda fará o Brasil acontecer como nação de todos os brasileiros.
O Trabalhismo de Getúlio, Pasqualini, Jango, Brizola, Darcy e milhões de anônimos, projetou o Brasil na modernidade, e ainda pode evitar que afunde na barbárie. Há, porém, um problema além de nossas possibilidades. O patrimônio de idéias de nossos pensadores e as realizações de nossos estadistas de nada vale contra a intenção das elites de consumarem o apartheid social.
A proibição secreta
Desde 64 o Trabalhismo está proibido de subir a rampa, uma das tantas decisões secretas dos operadores da "máquina de distribuição de renda para cima" (1), o sistema multissecular de privilégios e injustiças causador de um dos mais perversos índices de exclusão social do mundo. Contra o trabalhismo movem-se sempre os fantoches dos responsáveis pela desintegração social, a perda do sentido de vida coletiva. Sabem, até mais que nós, do que é capaz o Trabalhismo para salvar outro tesouro em perigo, nossa identidade de povo. Além de nós, alguém mais sabe contra quem foi o golpe? Contra mais ninguém.
As forças que arrastaram Getúlio ao suicídio e derrubaram Jango apaisanaram-se e prolificaram. Em vez de metralhadoras disparam teorias recauchutadas dos canudos de seus doutorados. Nas casamatas VIPs da sapiência, fabricaram um repelente spray antipovão - o populismo - , sofisticaram o servilismo e legitimaram a exclusão. Perfumaram com fragrâncias contrabandeadas os preconceitos mais perversos e as discriminações mais iníquas. Transplantaram para os salões da política o manual de bons modos da casa-grande como prêmio à subserviência. Aposentaram os limpa-botas e promoveram a gurus os office-boys dos barões da trambicagem financeira.
Solitário, de peito aberto como sempre, Brizola desnudou o choque de neocolonização que homologou a quebra da estratégia de desenvolvimento, o retrocesso dos avanços sociais, a leiloagem do interesse nacional e a revogação do bem comum. Carta Testamento em punho, amaldiçoou a promessa sinistra de FHC do fim da Era Vargas, o desmonte peça por peça do imenso cabedal trabalhista de ações e desenvolvimento e de solidarismo. Poucos perceberam, na trama lesa-pátria, a proscrição do trabalhismo como projeto - e único - de desenvolvimento com justiça social.
Estamos proibidos de influir nas decisões porque somos inconfiáveis aos artífices do sistema informal de castas em silenciosa implantação, que rebaixa a maioria à categoria de subcidadãos. Querem nos impedir de denunciar a fabricação de ignorância e intolerância, as matérias primas da desestabilização social. O trabalhismo funde a justa indignação diante das mazelas da desigualdade e a inabalável convicção de que um país com tantos recursos tem que dar certo. A discriminação que sofre é a extensão da que aprisiona o Brasil na dependência e empurra o brasileiro para a marginalidade.
A estética da segregação
Tentam nos ferir no que temos de mais forte, a autenticidade. Sim, somos o partido dos Agenor, dos João e José, dos Silva, das Maria, Margareth e Filomena, e nos orgulhamos de filiados, militantes e eleitores tão ilustres. Não somos "meio antigos", viemos de longe. Benditos representantes dos milhões de deserdados que confiam em nós porque ouviram falar de Getúlio, Jango e Brizola. Não podemos trair essa confiança.
De que lado estão os que gratuitamente debocham dos trabalhistas e brizolistas em nome de um código estético segregacionista? Trocaram a ética pela estética? Ou não é tão gratuitamente assim que debocham? Saibam ou não, estão do lado dos 82 coronéis do Exército que derrubaram o ministro do Trabalho em 1954 sob a alegação de que a duplicação do salário mínimo esvaziaria os quartéis. Precisam dos Agenor e das Filomena para destilar racismo social assim como os coronéis, generais em 64, necessitavam de soldados desnutridos e analfabetos para dar ordens absurdas. Em tempo, o presidente que os generais derrubaram em 64 era o ministro do Trabalho em 54: João Goulart.
Temos que ser sinceros com os que pretendem juntar-se a nós. Devem saber de nossa condição de malsinados e das provações que os esperam. Há lugar para tudo e todos no jogo jogado lá em cima, menos para um partido nacionalista. Repararam como Cristovam Buarque foi ridicularizado nas entrevistas durante a campanha presidencial? Assistiram à reprise do deboche do "candidato de uma nota só" por parte de um apresentador global? Por que a alergia da grande mídia à educação como prioridade? A direita ditabranda não tem mais pudor de mostrar a cara no jornalismo. Quem sabe não é esse o nosso caminho da roça?
A deserção da classe média
A proscrição do Trabalhismo coincide com o colapso induzido da identificação da classe média com os valores brasileiros, primeiro estágio da ruptura dos laços de solidariedade social. O medo torra os neurônios e envenena os hormônios da classe média. Temerosa da perda de status com a ascensão de novos contingentes, ela se conforma com a função de massa de manobra do terrorismo emocional da grande mídia. O casamento do conservadorismo da classe média com o reacionarismo das elites turbinou a estratégia dos Estados Unidos de dizimar os movimentos de emancipação do Terceiro Mundo com golpes militares.
De lá para ca, trancafiada em sua gaiola de latão dourado, presa aos fetiches primeiro-mundistas, cega e surda ao que acontece à sua volta, a classe média impermeabilizou-se ao diálogo. Desertou do Brasil. Não sente falta de debate público e renunciou ao livre pensamento. Esconde que acredita na eficácia da tortura e na terapia de grupo dos esquadrões de morte, desde que aplicadas exclusivamente nas vilas e favelas. Não por acaso a direita semeia e colhe a super safra da discriminação dos pobres nos espaços interditados ao trabalhismo.
Não dá pé a gosma de preconceitos e discriminações em que bóia a classe média à procura de onde se agarrar. Cúmplice e também vítima da fabricação em massa de ignorância, mete a mão em qualquer arapuca política. Vibrou com o Homem da Vassoura, atirou-se nos braços do Caçador de Marajás, encantou-se com o charme "intelectual" de FHC, por um triz não votou na governadora do Estado campeão de analfabetismo. Sempre disponível a porra-louquices, leiloaria a Amazônia em troca de uma passagem a Disneylândia.
Nacionalismo? Coisa de museu. Interesse nacional? Desde que a Rede Globo diga qual. Espírito público? O que é? Integridade? Tem a ver com propriedade? Educação acima de tudo? Desde que não se gaste com escolas e professores. Bem comum? O meu. Quinze anos antes, a classe média estava pronta para a farra da privatização em troca de um celular. A classe média é o gato que ruge contra as propostas de integração entre o Brasil Legal e o Brasil Real.
O muro da intolerância
A desgraça de brasileiro desconfiar um do outro respinga do mal-estar da classe média com o Brasil a não ser com o luxo da empregada "de preferência que durma no emprego". Secou o sentimento de pertencimento a um mesmo destino. Ela, que deveria dar o exemplo, para cima e para baixo, deixou de se reconhecer como elo de coesão social. Camufla o racismo na reação à cota e disfarça a aprovação a campanhas genocidas contra pobres, índios e adolescentes. Qualquer idéia maluca encontra espaço no travesseiro da classe média. Após a reeleição, a análise da vantagem eleitoral de Lula no Nordeste, uma formadora de opinião global deu o bote no ar: "Não está na hora de separar?" Foi um arroto do pensamento oculto enrustido nas leis secretas do apartheid.
Brizola trombou no muro de intolerância que substituiu as grades da truculência. Nele foi personalizada, a ferro e fogo, a mesma discriminação reservada a quem carrega na pele ou na origem social a tatuagem infame da rejeição. A determinação na luta pelas idéias republicanas de igualdade foi estigmatizada como radicalismo; a capacidade de priorizar o bem comum como demagogia; a lealdade à soberania nacional como xenofobia; o espírito público como caudilhismo; o estadista como estatista. A integridade inatacável nunca inspirou um gesto de reconhecimento de seus detratores.
Assim como Getúlio e Jango, foi vilipendiado por sua fidelidade ao ideal de justiça social, não por seus defeitos ou erros.
Os fios cruzados da história
Lembra de Brizola quem acredita no Brasil e vice-versa. Brasil e Brizola estão atados um ao outro pelos fios cruzados da história. Ao se tocar em um, o outro retesa. Era o xamã de um culto cívico que devolvia instantaneamente a alegria de viver num país maravilhoso e conviver com gente boa. Batizou-nos e crismou-nos na crença de que podíamos com nossos braços e nossa inteligência colocar o Brasil nos trilhos sem pedir benção ou licença de fora. Oficiava a fé sagrada sem a qual nenhum povo constrói o direito de assentar sua originalidade entre os demais.
Parecia um ser mitológico capaz de prodígios impossível e de provar que outros tantos estavam ao nosso alcance desde que confiássemos em nós mesmos.
Olho no olho, reacendia em volta o sentimento perdido de irmandade. A reação de quem chegava era de assuntar porque ninguém mais falava coisas tão simples e verdadeiras. Com o tempo e por conta própria descobríamos que a verdade é o bem público mais escamoteado do Brasil. A película de democracia encobre a injustiça de exclusão, inclusive do Trabalhismo. Não havia diferença entre o que dizia e o que fazia. Atrasava um compromisso quando nos sentia em dúvida e seus olhos faiscavam ao formar a roda de pensação.
Nasceu com um defeito - não tinha medo. Dobrou os chefes militares na Legalidade mas naquele momento os donos do poder decidiram jamais sentar-se com ele para acertar um pacto social de inclusão. A fio de baioneta, tiveram duas décadas de prazo para ossificar o imaginário da exclusão. A pirâmide social rachou de alto a baixo e a pergunta dele bate forte na consciência: por que com tanta riqueza à vista o Brasil não dá certo?
O Mandato
Já lamentamos o suficiente que ele não tenha chegado aonde queríamos. Caímos na real, perdemos o grande mensageiro, não a mensagem. O Trabalhismo precisa mergulhar no caos da perda do amor próprio de nossa gente, com humildade, para entender as causas do desânimo, da indiferença, do cinismo, da agressividade, do descaso com o que é de todos. Descascou o ovo da serpente. A degeneração da política, a corrupção desenfreada, a permissividade escancarada, o que tem a ver com a transgressão de todas as normas e a banalização da violência? Que laço se rompeu na relação de confiança de baixo para cima que dilacerou valores e referências? A deslealdade de cima para baixo esfrangalhou a lealdade de um com o outro, de todos com todos.
Até que ponto nos contamina a doença maligna que corrói a alma do brasileiro, que não será debelada com donativos sociais, ainda que imprescindíveis nas atuais circunstâncias?
Não dispomos mais, a qualquer hora, dos conselhos dele mas carregamos conosco, com a legitimidade que só dele emanava, o mandato que nos delegou:
"Nós temos a nossa responsabilidade com a história. Nosso partido é o único com determinação de assumir as grandes causas nacionais. Nenhum partido é tão nacionalista quanto o nosso. Queremos um país desenvolvido, autônomo, independente. Queremos libertar o povo brasileiro em matéria de oportunidade, de acesso a uma vida digna. O Trabalhismo nasceu na Revolução de 30, de uma inspiração do presidente Getúlio Vargas, que foi evoluindo de acordo com o processo social, empenhado em garantir direitos à massa dos deserdados... Nós temos genética, somos uma grande sementeira de ideias em benefício do povo brasileiro. Temos que estar sempre onde está o povo. Existimos para dar voz aos que não tem voz. Nossa ancoragem é a área deserdada da população. Nosso guia é o interesse público e o bem comum. Há muito preconceito contra nós. Podem dizer e fazer o que quiserem contra nós, mas gente de vergonha na cara nunca fica quieta quando é questionada.... Graças a Deus somos um partido pequeno. O que adianta ser grande no tamanho e não fazer nada?"
Somos fracos em quantidade e fortes em qualidade. Aprendemos com ele a não ter vergonha de ser brasileiro nem medo de povo. Notaram que povo, pátria, nação, nacionalidade, nacionalismo, são palavras que sumiram dos jornais e dos discursos? Estamos em muito boa companhia na relação dos sentimentos refugados pela patrulha ideológica da estética da exclusão.
Era de "bom tom" negar escola aos filhos dos pobres até Brizola rebentar o cadeado da discriminação. Entraria na história, lépido e faceiro, de braços com a meninada, pelo portão de milhares de brizoletas e brizolões, se mais não fizesse. E fez muito no enfrentamento de oligarquias e oligopólios. E por isso era ainda mais perigoso. A história lhe abriria as portas pelo que disse na hora em que era de "bom gosto" calar. O "bom tom" de hoje, de democratizar a ignorância, vai perdurar até surgir outro visionário trabalhista. Qualquer programa de reeducação em massa, de emergência ou permanente, será inócuo sem o selo de qualidade do trabalhismo.
O veto das elites originou-se da obstinação de Brizola com a educação. Um sonho subversivo guiava Brizola, inspirado na saga do menino pobre que rondava escolas entre um biscate e outro. Intuiu que cabe aos filhos da pobreza a missão de civilizar as elites trogloditas.
A dissolução social
Até a derrapagem mundial, avançava a economia da importação de crescimento e exportação do lucro, e regredia a ética do Brasil Legal em relação ao Brasil Real. O PIB do poder não precisou desemperrar as fronteiras sociais, a não ser nos pontos de passagem da fila de emprego. Crescer para dentro é a receita trabalhista.
A reação à cota na universidade explicitou a cumplicidade da intelectualidade com a cronificação da desigualdade. Recomeçou a pressão por reformas para trás. A cargo da grande mídia - as cadeias de jornal, rádio e TV - a agenda do apartheid desdobra pontualmente as etapas de estranhamento e animosidade entre os do meio e os de baixo. Os do meio aprendem a se alhear da realidade, a suspeitar de pobres, a se desligar do ambiente subjetivo comum e a curtir um estilo de vida exótico.
Os de baixo são ensinados a se julgar inferiores, incapazes de assimilar os códigos de compreensão da realidade. Em retribuição à aceitação da sina sem-nada podem comparar dinheiro a longo prazo e juros estratosféricos nos bancos disfarçados de lojas de eletrodomésticos. Os de cima comemoram a separação dos brasileiros.
Dia a dia, a consciência social vai embotando, a capacidade de pensar encolhendo. "Fomos perdendo a condição de país lúcido" (2). A grande mídia cozinha o caldo do diabo em fogo colorido, à espera da hora de jogar a culpa da criminalidade nos pobres. Vem aí o mega-espetáculo da guerra civil social.
Brizola detectou a conivência da monstruosa engrenagem de desinformação com a dissolução social. Sacou a manha da estratégia de desconstrução da vontade pública e implantação em seu lugar da opinião pública prefabricada. Sua última grande investida contra a ditadura da palavra ainda será reconhecida como precursora da causa da democratização da informação. Investigou a interdição do espaço público ao debate e flagrou a intimidade dos barões da imprensa com a fina flor da pilantragem financeira. Em represália, foi catalogado como um fóssil vivo da política. O muro de lá caiu, a esquerda retrocedeu em pânico e em parte se vendeu. Só Brizola continuou forcejando contra os muros intocáveis daqui, ermitão solitário pregando no deserto os mandamentos da brasilidade.
Não faz muito, nós mesmos vacilamos diante do falso dilema socialismo X Trabalhismo. Não prestamos atenção quando falou que o Trabalhismo é o socialismo caboclo,moreno, mulato, mestiço. Escapamos da reforma ideológica meia sola.
Do reconhecimento dos direitos sociais à montagem da infraestrutura de desenvolvimento o Brasil chegou até aqui podendo ser ainda mais pelas mãos do Trabalhismo. No balaio da memória social não há outra opção à exclusão.
Não podemos esquecer que a execração que penamos tem outro destinatário - o povo brasileiro - e isso deve nos orgulhar em vez de abater. Andamos desanimados mas não podemos baixar a cabeça. Nossa melhor homenagem a Brizola nesta hora é a reflexão sobre tudo que o Trabalhismo deu ao Brasil e aos brasileiros e o muito que ainda oferece como sementeira das idéias de igualdade. Estamos proibidos de subir a rampa, não de ajudar o povo a se organizar.

(1) Definição do historiador Thomas Skidmore para o modelo político-econômico histórico do Brasil.
(2) Consequência - segundo Brizola - da contínua lavagem ideológica a que a população é submetida.

(*) Carlos Alberto Kolecza é jornalista

terça-feira, 25 de junho de 2013

Vieira da Cunha: "Brizola, antes de tudo, era um patriota"

A notícia da morte do Governador Leonel de Moura Brizola encontrou-me na distante cidade de Pequim, na China, onde, participava da missão oficial do Estado do Rio Grande do Sul naquele país. Eram cerca de 8h25min da manhã, em Pequim - 9h25min da noite, no Brasil -, o Governador Leonel Brizola havia falecido há poucos minutos, e o seu assessor de imprensa, Fernando Brito, telefonava para me comunicar a morte.
Imediatamente, justifiquei ao Governador Germano Rigotto e aos demais membros da comitiva a necessidade de voltar para o Brasil ainda em tempo de participar das homenagens ao nosso Líder Brizola.
 Felizmente, consegui um plano de vôo Pequim-Frankfurt-São Paulo-Porto Alegre. Foram mais de trinta horas de viagem, mas consegui chegar por volta de 10 horas da manhã do dia 23 de junho, ainda em tempo de receber o corpo do Governador Leonel Brizola, no início da tarde, no Aeroporto Salgado Filho. Não poderia deixar de estar lá, porque, se uma só pessoa houvesse no Aeroporto Salgado Filho para receber o Governador Leonel Brizola, essa pessoa seria eu, haja vista os laços não só de liderado para líder que nos uniam, mas o respeito muito grande, pessoal, além de político que eu tinha com o Governador Leonel Brizola.
Acalentáramos uma relação muito próxima que se aprofundou desde 1994, quando me elegi pela primeira vez Deputado Estadual. Nossos contatos, desde aquela época, portanto, nos últimos dez anos, eram praticamente diários. Falamos por telefone na véspera de sua morte. Liguei para ele, de Pequim, porque estávamos vivendo o período das convenções partidárias e conversávamos sobre as alianças nas eleições municipais de Porto Alegre, do Rio de Janeiro e de outras capitais.
Ele estava bem, com a voz firme, dizia que se estava recuperando de uma indisposição que havia tido dias antes na cidade de Montevidéu. Lastimavelmente, na manhã seguinte, recebi a notícia da sua morte.
Meu primeiro contato pessoal com o Governador Leonel Brizola deu-se logo depois da sua chegada do exílio. Eu era Presidente do Centro Acadêmico André da Rocha, da Faculdade de Direito da UFRGS. Organizáramos um seminário intitulado Rumos da Oposição Brasileira.
 Nós, estudantes, com muita curiosidade, víamos o quadro político- partidário se formando. Nós, que havíamos crescido sob o bipartidarismo, estávamos sedentos por saber quais os partidos políticos que se reorganizariam com a reconquista da democracia no nosso País.
Trouxemos, então, para a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, os principais líderes nacionais dos partidos políticos que haviam-se reorganizado. Recordo-me de que no Plenário Farroupilha falou o líder Luiz Carlos Prestes sobre a reorganização do Partido Comunista. No Plenário João Neves da Fontoura, falou Leonel Brizola sobre a reorganização do PTB - Partido Trabalhista Brasileiro. Ainda não lhe haviam roubado a histórica sigla.
Era o ano de 1979, o Governador Leonel Brizola fez um pronunciamento sobre o que era o trabalhismo, os compromissos do trabalhismo, sobre sua trajetória histórica, sobre o Movimento de 64, enfim, sobre os grandes temas nacionais e internacionais. E eu, que, na época, tinha 19 anos de idade, era estudante, imediatamente me identifiquei com suas idéias, com o programa daquele Partido que se reorganizava, e, ali mesmo, naquela palestra, decidi que aquele seria o meu caminho político-partidário.
Em 1981, filiei-me ao Partido Democrático Trabalhista. Militei na juventude do Partido inicialmente, depois concorri a vereador, em 1982, nas primeiras eleições pós-Ditadura. Em 1986, assumi uma cadeira na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, ocasião em que tive oportunidade de prestar uma homenagem ao Governador Leonel Brizola.
Recordo bem o dia: era 27 de agosto de 1986. Essa data era muito significativa porque transcorriam 25 anos do Movimento da Legalidade. Aquele episódio histórico fez com que uma multidão tomasse a Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini, em defesa da Constituição, em defesa do regime democrático, que estava ameaçado porque as elites da época não queriam que o Vice-Presidente da República eleito, João Goulart, assumisse os comandos do destino deste País, uma vez que Jânio Quadros havia renunciado.
Foi o então Governador Leonel Brizola, jovem Governador, na época com 39 anos de idade, que comandou aquele Movimento histórico que acabou garantindo a posse do Presidente João Goulart. Ali Leonel Brizola projetou-se nacional e internacionalmente, porque aquele foi um dos maiores movimentos cívico-populares que já teve registro na nossa história. Foi um Movimento que ganhou consciências em todo o País e que acabou vitorioso, mesmo que seu brilho tivesse sido empanado pelo casuísmo do parlamentarismo.
De qualquer maneira, o golpe foi abortado, e João Goulart assumiu a Presidência da República, graças à coragem, à ousadia, à liderança, à capacidade de mobilização popular que teve o então jovem Governador Leonel Brizola.
Destaco, daquele histórico dia, um trecho do discurso que fez Leonel Brizola quando tomou conhecimento de que o Palácio Piratini estava na iminência de um bombardeio. A ordem de bombardeio partiu do 3.º Exército, e Leonel Brizola, no histórico pronunciamento, dirigindo-se ao povo gaúcho, disse o seguinte:
"Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste Palácio, numa demonstração de protesto contra essa loucura e esse desatino. Venham, e se eles quiserem cometer essa chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação. Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que vida sem honra, sem dignidade e sem glória".
 Essas foram as palavras corajosas do líder da Legalidade, Leonel Brizola, decisivas naquele momento histórico, para que as forças da reação e do conservadorismo recuassem e o Movimento triunfasse. A coragem e a liderança de Leonel Brizola estavam demonstradas para todo o País.
Honrado que fui com a condição de orador, distinguido pela família no túmulo do nosso Governador, no Município de São Borja, disse que Leonel Brizola tinha sido o maior Governador que o Rio Grande do Sul já teve. É verdade. Não foi a emoção do momento que me fez proferir aquelas palavras, mas os fatos históricos, suas obras, suas realizações, que atestam que aquela foi uma assertiva verdadeira. 
Me referi antes ao Movimento da Legalidade e tenho também de lembrar o maior plano de escolarização que este país já testemunhou. Foram 6.300 escolas construídas em apenas quatro anos de Governo. São quase 1.600 escolas por ano. Essa obra magnífica de um Governador apaixonado pela causa da educação lançou as bases para que o Rio Grande do Sul pudesse ser hoje o Estado que tem o melhor nível de qualidade de vida do País. Tenho certeza de que isso se deve àquelas escolas, pois fizeram com que fosse desprezível o índice de analfabetismo no Rio Grande do Sul comparado ao de outros Estados do País. Graças aos pesados investimentos que Leonel Brizola fez em educação, o Rio Grande do Sul tem atualmente essa condição ímpar no contexto nacional.
Leonel Brizola fez também uma reforma agrária que até os dias de hoje é considerada uma referência positiva. Está lá o Banhado do Colégio, no Município de Camaquã, eloqüentemente testemunhando que é possível fazer um plano de distribuição de terras que permita aos nossos trabalhadores vocacionados para a produção tirarem do seu pedaço de terra o seu sustento, assim contribuindo para o desenvolvimento do Estado e do País com os frutos do seu trabalho.
Foi no Governo de Leonel Brizola que tivemos a corajosa encampação das empresas multinacionais de energia elétrica e de telefonia que emperravam o processo de desenvolvimento econômico do nosso Estado. Corajosamente, desapropriou essas empresas, fundando a Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE - e a Companhia Rio-Grandense de Telecomunicações - CRT -, que foram fundamentais para o crescimento do nosso Estado ao longo das últimas décadas.
Poderia citar a Estrada da Produção, a Refinaria Alberto Pasqualini, a Aços Finos Piratini e tantas outras obras e realizações que fizeram com que o Governo Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul, fosse um Governo que marcou época. S. Exa. fez jus ao título de maior Governador do Estado do Rio Grande do Sul, atributo que lhe conferi sem exagero algum.
 A Legalidade, em 1961, apenas adiou o golpe que viria três anos depois. Mil novecentos e sessenta e quatro foi marcado pelo Golpe Militar. Naquela época, diversos cidadãos e cidadãs brasileiros foram perseguidos e tiveram de viver no exterior, como foi o caso de Leonel Brizola.
 A propósito, dificilmente alguém foi mais perseguido ou teve a sua vida mais virada ao avesso pela Ditadura Militar do que o ex-Governador Leonel Brizola, quando invadiram a sua casa, reviraram as suas gavetas e remexeram em seus objetos pessoais à procura de algo que pudesse comprometê-lo. Nada! Absolutamente nada encontraram que pudesse sequer arranhar a honrada vida pública ou privada deste homem que recém havia governado o Rio Grande.
Portanto, além de ser um líder corajoso e ousado, um administrador de mão cheia, inovador, Leonel Brizola tinha essa marca, a marca da honradez, da probidade. Era daqueles homens públicos com a característica da retidão de conduta. Numa época em que muitos políticos se satisfazem com as migalhas do poder, o exemplo de Leonel Brizola se agiganta, porque foi um homem que, por fidelidade aos seus princípios, rompeu com os governos que ajudou a eleger - no Rio de Janeiro, com Anthony Garotinho; no plano federal, com Luiz Inácio Lula da Silva, pois tais governantes haviam-se afastado daqueles compromissos que levaram Leonel Brizola a apoiá-los nas suas respectivas eleições. Rompeu com os Poderes Estadual e Federal para ficar em paz com a sua consciência e fiel aos seus compromissos e princípios.
O que nos conforta nesta hora é saber que Leonel Brizola morreu fazendo aquilo de que mais gostava, aquilo que sabia fazer: política. Um dia antes de sua morte, recebia lideranças políticas, mesmo acamado, no seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro. Como predisse em vida, morreu como um cavalo inglês, morreu na cancha, morreu peleando, o que nos conforta.
O que nos animou muito também foi a solidariedade, a comoção popular que testemunhamos não só no Rio de Janeiro - Estado que governou por duas vezes e onde deixou talvez sua maior marca registrada, os CIEPs, as escolas de turno integral -, mas também em Porto Alegre e na cidade de São Borja, onde foi enterrado.
As multidões vieram se despedir do grande líder que, antes de tudo, era um patriota, outra de suas marcas registradas. A missa de sétimo dia, realizada na Igreja da Candelária foi concluída com o Hino da Independência, que Brizola costumava puxar pessoalmente ao encerrar os nossos principais atos partidários. Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil -, cantava com uma emoção que contagiava, contaminando a todos com seu patriotismo, com seu compromisso inabalável de defesa da soberania nacional.
O dia 21 de junho de 2004 vai ficar marcado na história do Brasil, assim como ficaram o 24 de agosto de 1954, quando nos deixou o grande estadista Getúlio Vargas, e o 06 de dezembro de 1976, quando nos deixou João Goulart. O 21 de junho de 2004 entrou definitivamente para a história nacional como a data em que partiu um dos nossos maiores líderes, daqueles que se vão, mas deixam para a eternidade um rastro de realizações e bons exemplos, guia seguro para quem quer fazer política com dignidade, coerência e firmeza de princípios, marcas registradas de Leonel de Moura Brizola.
(Depoimento em janeiro de 2005)

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Trajano Ribeiro, em missa para Brizola no Rio, analisa manifestações de rua

Os nove anos da morte de Brizola foram lembrados na última sexta-feira (21/6) no Rio de Janeiro com uma missa na Igreja de São Benedito dos Homens Pretos, na Rua Uruguaiana, no Centro do Rio de Janeiro – igreja frequentada pelo próprio Brizola - em uma solenidade marcada pela direção do PDT-RJ para lembrar a data.
Estiveram presentes companheiros de partido, dirigentes do PDT-RJ e também muitos militantes do partido – veteranos de várias campanhas lideradas por Leonel Brizola no Rio de Janeiro, desde a sua espetacular eleição a deputado federal em 1962, aos dois governos estaduais que conquistou, nas eleições de 1982 e 1991, além de todas as outras campanhas que protagonizou até nos deixar, em junho de 2004. Um dos presentes foi o deputado Bruno Correia.
Os participantes da missa – Carlos Lupi, presidente nacional e estadual do PDT não pode participar por ter viajado para São Borja, também para homenagear Brizola – tiveram a oportunidade de ouvir as palavras de Trajano Ribeiro, um dos fundadores do PDT e ex-integrante do secretariado de Brizola, que fez uma análise atualíssima dos movimentos de rua que vem ocorrendo no Brasil.
Confiram a íntegra da fala de Trajano Ribeiro, gravada e transcrita por Apio Gomes:
“Que bom que vieram tantos para a missa do companheiro Brizola. Queria saudar todos os companheiros.
“O país vive um momento diferente. E, nós, sempre nessas ocasiões, nos perguntamos “o que pensaria, e o que diria o nosso líder Brizola?”.
“E, como não temos uma resposta cabal, nos damos conta de quanta falta ele nos faz para interpretar e enfrentar esses momentos – eu não diria de instabilidade, mas momentos de perplexidade.
“Há homens que nascem com uma chama da justiça. Felizmente, o nosso Partido foi fundado e reuniu os melhores destes homens.
“Brizola é o mais contemporâneo, o mais recente e talvez o mais lutador de todos eles. Ele não admitia a injustiça com o nosso povo. Ele dedicou a vida inteira dele a combater a desigualdade, a discriminação, a injustiça, a exclusão; e, principalmente, a defender o direito de cada criança brasileira ser um cidadão pleno, no exercício de seus direitos, no desenvolvimento das suas capacidades.
“Hoje, com este quadro que o país vive, talvez Brizola usasse uma expressão que ele adotava muito em situações semelhantes, que reflete aquela situação dos tropeiros que vão levando a tropa; e que, quando o sol cai, acampam, fazem uma fogueira e põem uma chaleira para esquentar água para o chimarrão; de repente, vai lá um dos tropeiros e tenta encher a cuia, mas não sai água da chaleira; aí – o que é… o que não é… –, abrem a chaleira: um outro tropeiro, inadvertidamente, colocou uma batata para cozinhar na chaleira. Então, Brizola dizia: “Tem batata nesta chaleira!…”.
“Eu advertiria os companheiros, acho que fielmente interpretando o que ele pensaria. E ouso fazer isto, pelos anos de convívio que tive com ele. Isto que está acontecendo aí é o renascimento das ruas, é a mobilização da nossa juventude, por tanto tempo apática. Mas – cuidado! – porque pode ter uma batata nessa chaleira.
“Preocupa-me muito um movimento que não tem lideranças; preocupa-me muito um movimento que não tem programa, não tem, não tem plataforma, não tem palavra de ordem; e que, na ausência destas coisas, emite, na voz de milhares e milhares, palavrões e outras frases que não têm uma utilidade para o nosso povo.
“Mas isso não deve ser ignorado.
“Mas precisa – principalmente nós, que temos a responsabilidade histórica de levar o pensamento de Vargas, de Jango e de Leonel Brizola –, exige de nós uma profunda reflexão.
“Eu vou pedir ao companheiro Carlos Lupi, o nosso grande presidente, que convoque o Partido para uma profunda reflexão sobre o que está acontecendo. Porque não me venham dizer que os partidos não existem mais, porque a sociedade não pode sobreviver, no seu estágio atual de desenvolvimento, sem os partidos.
“O que houve foi um processo – que a própria estrutura institucional do país provocou – de esvaziamento dos partidos; de esvaziamento dos programas dos partidos, em benefício dos indivíduos que, eventualmente, representam os partidos.
“Então, nós temos obrigação de refletir; e temos obrigação de dizer ao nosso povo o que nós achamos se seja a interpretação correta, e o rumo correto a seguir.
“Isto seria o que o companheiro Brizola faria: convocaria o Partido e iniciaria uma ampla discussão; sempre preocupado com eventual utilização do idealismo da nossa juventude para fins contrários à democracia e contrários aos interesses do nosso povo.
“Por isto, companheiros, rezamos hoje aqui, debaixo deste teto daqueles que representam aqueles a quem o nosso Partido dedica um carinho especial – que são os negros brasileiros, que forjaram grande parte desta nação; e que são responsáveis, entre outras coisas, pela manutenção, salvaguarda e garantia de uma cultura própria do povo brasileiro, que foi haurida, fundamentalmente, da influência do povo africano, que veio aqui doar seu sangue, o seu suor.
“Muito obrigado”.

domingo, 23 de junho de 2013

Partido Democrático Trabalhista - Nasce o novo Trabalhismo

O PDT - Partido Democrático Trabalhista - foi fundado por Leonel Brizola, no exílio, em Lisboa, em 1979, mas sua herança histórica vem da Revolução de 30, com Getúlio Vargas, e depois João Goulart.
O PDT surgiu em 17 de junho de 1979, em Lisboa, fruto do Encontro dos Trabalhistas no Brasil com os Trabalhistas no Exílio, liderados por Leonel Brizola. Seu objetivo era reavivar o PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, criado por Getúlio Vargas e presidido por João Goulart, e proscrito pelo Golpe de 1964.
Desse encontro, ao qual esteve presente o líder português Mário Soares, representando a Internacional Socialista, saiu a Carta de Lisboa, que definiu as bases do novo partido. "O novo Trabalhismo" - dizia o documento - "contempla a propriedade privada condicionando seu uso às exigências do bem-estar social. Defende a intervenção do Estado na economia, mas como poder normativo, uma proposta sindical baseada na liberdade e na autonomia sindicais e uma sociedade socialista e democrática.
Uma manobra jurídica, patrocinada pela ditadura, no entanto, conferiu a sigla a um grupo de aventureiros e adesistas, que se aliou às elites dominantes, voltando-se contra os interesses dos trabalhadores.
Leonel Brizola, depois de 15 anos de desterro, Doutel de Andrade, Darcy Ribeiro e outros trabalhistas históricos já tinham retornado ao Brasil, quando a Justiça Eleitoral entregou, em 12 de maio de 1980, o PTB àquele grupo. "Consumou-se o esbulho", denunciou Brizola, chorando e rasgando diante da televisão um papel sobre o qual escrevera aquelas três letras, que durante tanto tempo simbolizara as lutas sociais no Brasil.
"Uma sórdida manobra governamental " - disse ele - "conseguiu usurpar a nossa sigla para entregá-la a um pequeno grupo de subservientes ao poder... O objetivo dessa trama é impedir a formação de um partido popular e converter o PTB em instrumento de engodo para as classes trabalhadoras".
Uma semana depois, nos dias 17 e 18 de maio, os trabalhistas autênticos reuniam-se no Palácio Tiradentes, sede da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, para o Encontro Nacional dos Trabalhistas, que, contou com a participação de mais de mil pessoas. Lá foi anunciada a adoção de uma nova sigla para o partido - PDT. No dia 25 de maio, outra reunião, desta vez na ABI - Associação Brasileira de Imprensa- , na Cinelândia, aprovou o programa, o manifesto e os estatutos do Partido Democrático Trabalhista.
O PDT passou então a dar cumprimento ao enunciado da Carta de Lisboa, organizando-se, inicialmente, em nove Estados, sobretudo a partir do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O autoritarismo, ainda vigente, baixou normas draconianas para favorecer o partido do poder - PDS, antiga Arena, hoje PPB - e restringir brutalmente os partidos de oposição. Não obstante, na primeira eleição democrática de 1982, o PDT elegeu Brizola governador do Rio de Janeiro, dois senadores - um no Rio e outro em Brasília -, 24 deputados federais, credenciando-se como uma das principais forças políticas do país.
Em 1983, antes da posse de Brizola, os pedetistas fazem nova reunião nacional, em que tiram a Carta de Mendes, cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro que abrigou o encontro. Neste documento, eles traçam as diretrizes da ação política para a realidade do novo Brasil saído das urnas.
O surto neoliberal que se abateria sobre o mundo, a partir dali, entretanto, retardaria a ascensão do Partido ao poder nacional, com o povo assistindo impotente ao desmonte desse sistema cruel e desumano, credenciando-se junto ao povo.

Documento: vida e obra de Leonel de Moura Brizola

Brizola nasceu em 22 de janeiro de 1922, numa casa rústica de madeira construída pelo próprio pai na localidade de Cruzinha, hoje pertencente ao município de Carazinho, no Rio Grande do Sul. Filho do tropeiro José Brizola e de Dona Oniva de Moura, foi o caçula dos cinco filhos – quatro homens e uma mulher. Ainda criança, pouco mais de um ano, perdeu o pai assassinado por uma coluna governista quando este retornava para casa ao final da Revolução de 23, onde lutara ao lado dos maragatos contra a autocracia de Borges de Medeiros.
Coube à mãe Oniva a educação dos cinco filhos, todos alfabetizados por ela. A situação de pobreza tornou-se ainda mais grave depois da família perder em juízo a posse das terras e da casa. Oniva casou-se com João Gregório Estery, um colono vizinho, também viúvo e com mais seis filhos; e todos se mudaram para o povoado de São Bento.
O menino Leonel deixou a casa da mãe depois do casamento da irmã mais velha, Francisca, acompanhando-a para Passo Fundo. Ali, matriculou-se na escola primária e passou a ajudar o cunhado no açougue, entregando carne aos fregueses. Aos 10 anos, Leonel foi levado por um amigo da família para Carazinho, onde passaria a morar num sótão de hotel a fim de trabalhar e continuar os estudos. A luta pela sobrevivência levou-o a exercer as mais diversas atividades: lavou pratos em troca de casa e comida, foi engraxate, vendedor de jornais e carregador de malas até conseguir um emprego numa serraria, onde marcava tábuas.
A primeira casa razoavelmente confortável que conheceu foi a do pastor metodista Isidoro Pereira e de sua mulher Elvira que, sensibilizados com o esforço do menino, decidiram abrigá-lo. Deram-lhe um quarto, roupas e o matricularam no colégio da Igreja Metodista. Brizola adotou essa religião, converteu a mãe e vários colegas. Quando tinha 14 anos, após conseguir do prefeito de Carazinho uma passagem de 2a. classe e uma carta de recomendação para o diretor da Escola Agrícola, ele se transferiu, para Porto Alegre para estudar. Mais uma vez teve que trabalhar duro, primeiro como trocador de moedas, depois como ascensorista, enquanto aguardava ingresso na Escola Agrícola de Viamão, uma espera que durou vários meses. Ao lhe pedirem a certidão de nascimento, para a matrícula, descobriu que ainda não era registrado.
Brizola morou no próprio prédio da escola durante todo o curso e, depois de obter o diploma de técnico rural, aos 17 anos, foi novamente obrigado a procurar trabalho, empregando-se como operário auxiliar de montagem numa refinaria. Depois de completar 18 anos, fez um concurso para fiscal de moinhos do Ministério da Agricultura. Foi aprovado, mas pouco tempo depois pediu demissão para voltar a Porto Alegre, onde foi trabalhar como jardineiro da Prefeitura. Só então, pode cursar o ginásio e o colegial, estudando a noite na maior escola pública do Rio Grande do Sul, o Colégio Júlio de Castilhos.
Brizola prestou serviço militar na Base Aérea de Canoas e conseguiu depois se formar piloto privado. Entre a carreira na Varig e o curso de Engenharia, optou pelo segundo.
O início 
Em 1942  ingressou na Faculdade de Engenharia do Rio Grande do Sul e, em 1945, participou da fundação do PTB gaúcho influenciado pelo movimento queremista, que ganhava as ruas e contagiava as massas, resistindo as inclinações de seus colegas de faculdade, na maioria oriundos de classes mais privilegiadas que se filiam ao PSD e a UDN. Ainda estudante de Engenharia funda com sindicalistas o primeiro núcleo gaúcho do PTB, percorrendo o interior com lideranças no esforço de consolidar o partido, participando dos primeiros comícios. Muito ativo, em um comício diante da Prefeitura de Porto Alegre, chama a atenção de Getúlio Vargas que comenta com seus pares: "Botem este guri na chapa que ele vai muito longe".
Em 1946, presidente da Ala Moça  do PTB, é lançado candidato a deputado estadual com o apoio dos estudantes. Elege-se como um dos cinco mais votados dentro da maior bancada da Assembléia Legislativa, a do PTB que mesmo não elegendo o governador, faz 23 deputados. Na instalação da Assembléia Constituinte gaúcha conhece João Goulart, que também iniciava o seu primeiro mandato parlamentar, após organizar o PTB em São Borja e em toda a região das Missões. Apesar da intensa atividade política, conseguiu concluir o curso de Engenharia, formando-se engenheiro civil em 1949. Foi nessa época que Brizola conheceu Neusa, irmã de Jango, com quem se casaria em primeiro de março de 1950. Vargas, amigo da família Goulart, foi padrinho do casamento, do qual resultaram três filhos: José Vicente, João Otávio e Neuza Maria.
As eleições de 1950 reconduziram Getúlio ao Palácio do Catete. João Goulart elegeu-se deputado federal, enquanto Brizola obtinha o seu segundo mandato na Assembléia Legislativa gaúcha, onde assumiu a liderança da bancada trabalhista. Convidado pelo Governador Ernesto Dornelles para ocupar o cargo de Secretário das Obras Públicas, Brizola viveu a sua primeira experiência como administrador, executando vasto programa de obras no Estado. Mas o começo da sua projeção nacional viria nas eleições seguintes, após o suicídio de Vargas. Eleito deputado federal, ele travou, desde o início, uma ferrenha batalha com o deputado Carlos Lacerda, da UDN.
O mandado de deputado federal, no entanto, foi interrompido por sua campanha à Prefeitura de Porto Alegre, quando adotou o slogan: “Nenhuma criança sem escola”. A preocupação com a educação pública já se tornava uma obsessão na vida de Brizola. Como prefeito, ele construiu dezenas de grupos escolares em toda capital gaúcha, sobretudo nas vilas e áreas pobres da cidade. Também desenvolveu um grande programa de abastecimento d’água e modernizou o sistema de transporte coletivo.
Secretário de Obras e Prefeito de Porto Alegre
Como Secretário de Obras do Rio Grande do Sul (1952/1954), Brizola executou as seguintes obras: ponte sobre o Guaíba; ponte sobre o rio Pardo; reaparelhamento do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER); mais de 100 projetos implantados de ampliação e construção de estradas; Estação Ferroviária Diretor Augusto Pestana, em Porto Alegre; implantação do trem diesel Minuano; melhorias no Aeroporto Salgado Filho; reequipamento do Departamento Aeroviário do Estado; reaparelhamento do Departamento de Portos, Rios e Canais; implantação de 23 portos lacustres e fluviais; construção de 40 hidráulicas no interior do Estado; início da construção de grande número de Escolas Públicas.
Em 1955 Brizola se elege Prefeito de Porto Alegre com consagradora vitória - fazendo mais votos do que todos os demais candidatos juntos. Seus trunfos principais foram o plano de obras que executou na Secretaria de Obras, e o slogan: "Nenhuma criança sem escola". A experiência administrativa bem sucedida na terceira maior cidade do país na época, reforçou a sua marca empreendedora e nitidamente popular.
As suas principais obras como Prefeito de Porto Alegre (1955/58), foram as seguintes: implantação de sistema integrado de planejamento; reavaliação do Imposto Predial; canalização de água em todas as Vilas Populares, de acordo com as prioridades estabelecidas pelas associações de moradores; implantação de 110 km de rede de água; construção da hidráulica São João e aumento das outras duas grandes hidráulicas, Moinhos de Vento e Cristo Redentor; implantação de mais de 80 km de rede esgoto; construção de 137 escolas primárias para 35 mil alunos, acabando com o déficit escolar; remodelação, alargamento e iluminação das avenidas Farrapos, Assis Brasil e Protásio Alves;  urbanização do Passo da Cavalhada e asfaltamento da estrada Cristal-Cavalhada; dragagem-aterro do rio Guaíba e implantação da continuação da Av. Borges de Medeiros; renovação da frota de ônibus públicos; implantação dos ônibus elétricos trolley bus; criação do maior parque da cidade até hoje, o Saint-Hilaire; remodelação e construção de grande número de parques e campos populares de futebol; criação do Programa Integrado de reaparelhamento de Equipamentos Rodoviários para todas as prefeituras gaúchas.
Governador do Rio Grande do Sul, em 1958 - e a Legalidade
Em 1958, com amplo respaldo popular (mais de 670 mil votos contra 500 mil da coligação PSD/UDN/PL), Brizola se elege governador do Rio Grande do Sul aos 36 anos de idade. Mesmo sem ter alcançado maioria absoluta na Assembléia, constrói alianças que lhe dão respaldo à ação administrativa.
As suas principais obras como Governador (1959/1962): implanta com recursos públicos a indústria Aços Finos Piratini, utilizando carvão gaúcho em projeto pioneiro no Estado; traz para o Rio Grande do Sul a Refinaria de Petróleo Alberto Pasqualini, decisiva para a futura instalação de indústrias de adubos e do III Pólo Petroquímico; implanta, com recursos públicos, a Açúcar Gaúcho S/A – AGASA, em região canavieira pobre do Estado; incorpora o Banco do Estado do Rio Grande do Sul – BANRISUL – ao planejamento estadual e cria a Caixa Econômica Estadual; funda o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul – BRDE; conclui a Termelétrica de Charqueadas, de grande porte para a época, próxima a Porto Alegre, e põe em operação a de Candiota, localizada em Bagé, além de construir várias usinas de médio porte.
Brizola também encampa, dentro das normas legais, a Companhia Estadual de Energia Elétrica, subsidiária da Bond & Share canadense, ligada ao grupo americano American Foreign Power, que com a Light carioca cartelizavam a produção de eletricidade nos maiores centros brasileiros; triplica em quatro anos a produção de eletricidade do RGS, acabando com os racionamentos; encampa a Cia. Telefônica Nacional, subsidiária da International Telegraph & Telephone (ITT), após o insucesso de longas gestões, para melhoria dos serviços telefônicos do Estado; cria o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária – IGRA, com a entrega de mais de 14.000 títulos a agricultores sem terra, destacando-se áreas de assentamento como Fazenda Sarandi, Banhado do Colégio, Caponé, Fazendas Itapoã, Taquari e Pangaré.
Ainda como governador inicia e conclui o maior programa de investimento em educação realizado até hoje no Rio Grande do Sul, com a construção de 5.902 escolas primárias, 278 escolas técnicas e 131 ginásios, abrindo 700 mil novas matrículas e contratando 42 mil novos professores, acabando com o déficit escolar; lança as inovadoras Letras do Tesouro Estadual (brizoletas) que viabilizaram grande número de investimentos sociais; faz uma série de investimentos específicos, com a criação de Distritos Industriais, do Programa de Incentivo ao Trigo e do primeiro Zoológico do Rio Grande do Sul, em Sapucaia do Sul.
No plano político, inicia o governo queimando os arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), eliminando a máquina existente de repressão no interior do governo estadual; introduz um programa radiotelefônico semanal e pioneiro no País, todas as sextas-feiras à noite, de prestação de contas e esclarecimento sobre a administração estadual; inicia e comanda a Campanha da Legalidade, sustando o plano que visava a impedir a posse do Vice-Presidente da República João Goulart, em ação política inédita e que garante o respeito à Constituição no país.
Brizola mobiliza o povo gaúcho e de todas as forças de que dispunha. A voz de Brizola, defendendo a Constituição, ecoa por todo o país através de uma cadeia de emissoras de rádio, ganhando o apoio da opinião pública nacional. O Rio Grande do Sul se levanta numa jornada cívica, o general Machado Lopes, comandante do III Exército, adere à luta contra o golpismo. Do seu posto de comando, o Palácio Piratini, sede do governo estadual, Brizola garante a posse de Jango. Este, porém, contrariando a opinião do governador gaúcho, que queria que as tropas legalistas do Sul marchassem até Brasília, prendessem os militares golpistas e dissolvessem o Congresso, convocando imediatamente uma Assembléia Nacional Constituinte; aceita e concorda com a emenda parlamentarista como solução conciliatória. Jango assumiu a presidência da República, praticamente sem poderes. Os golpistas de 61 começam a conspirar contra Jango no dia de sua posse.
1964 – o golpe, o exílio e a Carta de Lisboa
Ao final de seu mandato de Governador gaúcho, Brizola se transfere para o Rio de Janeiro, onde se elege deputado federal com nada menos do que um terço dos votos de todos os cariocas. Foi um dos mais ativos membros da Frente Parlamentar Nacionalista, lutando, inicialmente, pela restauração do presidencialismo, conseguida através do plebiscito de 1963, e depois pela implantação das reformas de base.
O golpe militar de 1964 frustra a proposta trabalhista de modernização da sociedade brasileira, através da reforma agrária, da reforma urbana, da reforma fiscal e da Lei de Remessa de lucros, entre outras iniciativas. Mais uma vez Brizola tenta organizar a resistência popular e armada em defesa da Constituição, a partir do Rio Grande do Sul. Mas, àquela altura, todos os esforços se revelariam inúteis. Em um dos seus últimos discursos em vida, na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul reunida em sessão especial pelos 40 anos do golpe militar de 64, Brizola afirmou: “Se dependesse de mim, teríamos resistido ao golpe militar de 64”.
Depois de dois meses de clandestinidade na região da fronteira, Brizola é, por fim, forçado a exilar-se. Ele deixa o Brasil num pequeno avião, que parte da praia gaúcha do Pinhal para o Uruguai. Confinado no balneário de Atlântida por pressão dos governos militares brasileiros, mantém seus contatos com a oposição e apóia o MDB na grande vitória das eleições de 1974. As pressões da ditadura, entretanto, acabam levando as autoridades uruguaias a determinarem a sua expulsão daquele país, em 1977, em plena  “Operação Condor” de eliminação física de exilados latino-americanos pelos órgãos de repressão do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile – sob supervisão da CIA.
Brizola dá então um passo surpreendente: solicita e obtém asilo político nos Estados Unidos, aquela época sob o governo democrático de Jimmy Carter de quem, mais tarde, se tornaria amigo pessoal. Fixando residência em Nova Iorque, estabelece relações com os partidos social-democratas da Europa e seus principais líderes, como Willy Brandt, Felipe González, Mário Soares, Olof Palme e François Mitterrand. Uma aproximação que o levou, anos mais tarde, como presidente do PDT, a ocupar a vice-presidência da Internacional Socialista e, posteriormente, a se tornar um dos presidentes de honra da Internacional Socialista.
Ainda no exílio, diante da progressiva abertura política no Brasil comandada pelo general Ernesto Geisel, Brizola se movimenta e organiza em Lisboa nos dias 15, 16 e 17 de junho de 1979 – o Encontro dos Trabalhistas do Brasil com os Trabalhistas no Exílio, com o objetivo de reorganizar o PTB fundado por Getúlio Vargas em 1945 e extinto pela ditadura militar. Com integral apoio do então presidente Mario Soares, de Portugal, o evento é um sucesso e antes mesmo da decretação da anistia, em setembro de 1979, começa a ser reorganizado o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) sob a liderança de Brizola a partir da assinatura e do lançamento da “Carta de Lisboa”.
1979 – A volta por São Borja, primeiro governo no Rio de Janeiro
Decretada a anistia, Brizola retorna ao Brasil por Foz do Iguaçu, dirigindo-se no dia 17 de setembro de 1979 para São Borja, pequena cidade na fronteira com a Argentina, terra natal de Getúlio Vargas e João Goulart – as duas maiores lideranças do Trabalhismo brasileiro. Brizola se fixa no Rio de Janeiro - que considerava tambor político do Brasil - para reiniciar sua vida pública interrompida pela violência do Ato Institucional número 01 que cassou, além dele, o próprio Presidente João Goulart, o então chefe do Gabinete Civil, Darcy Ribeiro, e o Secretário de Imprensa de Jango, Raul Ryff.
Brizola passou a se dirigir anualmente a São Borja no dia 24 de agosto para cultuar a memória de Getúlio Vargas e a sua Carta Testamento – que considerava o maior documento político da História do Brasil; e a de João Goulart, seu cunhado, herdeiro político de Vargas. A partir de 1993, com a morte e sepultamento em São Borja de sua mulher, Neusa Brizola, irmã de Jango, a romaria anual a São Borja passa a ter significado ainda mais profundo para Brizola, que definia Neusa como uma mulher  “bonita por fora e por dentro”.
Mas o seu projeto de reorganizar o PTB preocupou a ditadura militar, as voltas com as eleições plebiscitárias e o explosivo crescimento do MDB a partir de 1974, em conseqüência da anti-candidatura à Presidência da República de Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho. Para se precaver, em manobra no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o general Golbery do Couto e Silva, tira a sigla PTB das mãos de Brizola e a entrega a Yvete Vargas, uma deputada conservadora – alegando razões burocráticas.
Em lágrimas, Brizola rasga uma folha de papel onde estavam as letras PTB e funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT) como forma de reagir a manobra da ditadura. Brizola começa do zero novamente e em curtíssimo espaço de tempo, um ano, consegue graças a sua liderança – atender a legislação e organizar o PDT. E é por essa nova sigla que se elege Governador do Estado do Rio de Janeiro em 1982 apesar da tentativa de fraude na totalização eletrônica do TRE - que ficou conhecida como “Escândalo da Proconsult” - jamais apurado apesar dos esforços de Brizola, do PDT e do Ministério Público do Rio de Janeiro.
Brizola venceu as eleições, segundo ele, graças ao que definia como “a força do povo”, numa histórica campanha que ele próprio avaliou que só sendo comparável a de Getúlio Vargas em 1950. Em 82, embora o PDT praticamente não tivesse estrutura orgânica ou apoio financeiro, Brizola partiu do zero nas pesquisas pré-eleitorais - que davam ampla vitória para Sandra Cavalcanti, a candidata do PTB – para a vitória graças ao amplo acesso que teve a opinião publica, via debates. O seu material de campanha restringia-se a um boné vermelho com o slogan “Brizola na cabeça”, criado pelo jornalista Wagner Teixeira,  e alguns poucos cartazes e panfletos.
Brizola venceu as eleições de 1982 devido aos debates, sendo o primeiro deles o da Radio Jornal do Brasil, emissora do Rio de Janeiro que também teria papel estratégico na apuração dos votos - durante a tentativa de fraudar o resultado das eleições através da firma de informática Proconsult, contratada pelo TRE do Rio de Janeiro para totalizar os votos. Ao debate da Rádio JB seguiram-se os do “Povo na TV”, o da TV Bandeirantes e o da Rede Globo de Televisão.
Após 15 anos de exílio, das discriminação e das perseguições, empossado governador do Rio de Janeiro, as primeiras palavras de Brizola, foram no sentido de superar injustiças e incompreensões: “A partir de agora, sou o governador de todos, e não de um grupo, de uma facção ou de um partido”.
Em seu primeiro Governo no Estado do Rio de Janeiro, Brizola retomou a luta iniciada 20 anos antes, no Rio Grande do Sul, em favor da educação pública. Idealizou e executou, com a ajuda de Darcy Ribeiro, o mais arrojado e revolucionário programa educacional já desenvolvido no Brasil: o Programa Especial de Educação, o de construção dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), que o povo apelidou de “Brizolão”. Uma escola integrada, de turno único, com assistência médico-sanitária e nutricional, biblioteca e estudo dirigido, tendo cada Ciep com capacidade para até mil alunos. Nada menos do que 500 deles foram deixados, prontos ou em construção, com as peças pré-moldadas em estoque, ao seu sucessor, Moreira Franco, que se elegeu prometendo acabar com a violência do Rio de Janeiro em seis meses – com total e absoluto apoio não só da Rede Globo de Televisão, como de toda a grande mídia.
Sem recursos federais e abstendo-se de recorrer a empréstimos externos, Brizola desenvolveu importantes programas de saneamento básico, de eletrificação rural e urbana, como “Uma Luz na Escuridão” e de reforma urbana, através do programa “Cada Família, Um Lote”. Foi Brizola que iniciou no Rio de Janeiro a política pública de urbanização de favelas, que substituiu a prática antiga das remoções desumanas e arbitrárias.
O Governo Brizola estancou a sangria dos dinheiros públicos representada pela organização do carnaval, com a construção da Passarela do Samba, obra executada no prazo recorde de quatro meses e que, em apenas dois anos, ensejou receitas suficientes para cobrir com sobras todo o seu investimento. Além de ampliar o mosaico dos cartões-postais cariocas, na Passarela o professor Darcy Ribeiro, então vice-governador e um dos principais mentores do Programa Especial de Educação, desenvolveu um complexo escolar com 210 salas de aula para funcionar fora do período carnavalesco.
1984 – Diretas Já
Em 1984, governador do Rio de Janeiro, Brizola liderou o grande comício da Candelária que reuniu um milhão de pessoas e elevou a campanha das “Diretas Já” para novo patamar. Fruto da perseverança dos opositores da ditadura militar, como Ulysses Guimarães, e realizados inicialmente sem apoio oficial e boicotados pela grande mídia, o comício da Candelária deu nova dimensão a campanha das Diretas Já. Não houve mais como esconder o óbvio: o povo queria as eleições diretas.
A mobilização dos cariocas obrigou os meios de comunicação – especialmente a Rede Globo de Televisão – a levantar o boicote imposto ao movimento, numa tentativa vã de ocultar o que viria a se transformar numa das maiores campanhas cívicas do País. Depois do Rio de Janeiro, outras capitais brasileiras viriam a reunir grandes multidões para exigir o direito democrático do povo de eleger o seu presidente.
Derrotada no Congresso pela maioria governista a emenda que restabelecia as eleições diretas, os líderes da campanha partem para uma solução negociada para o fim do regime militar, via eleições indiretas. Brizola rejeita o acordo, propõe as oposições que em vez de eleger indiretamente um presidente da República, seria melhor estender o mandato do general Figueiredo e fosse feita a transição em curto espaço de tempo, para em seguida eleger – diretamente – o presidente da República já em 1986. Brizola foi execrado e logo depois recusa-se a participar do governo Tancredo Neves, o da Nova República. Tancredo nem chega a assumir, o ex-presidente do PDS, o partido da ditadura militar, José Sarney, assume a Presidência da República.
1985 – Saturnino Braga se elege Prefeito
Com prestígio político cada vez maior no Rio de Janeiro e no Brasil, candidato a Presidente da República pelo PDT, Brizola lança Roberto Saturnino Braga, recém reeleito senador em 82 pelo PDT, para a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro nas eleições de 1985, as primeiras para as capitais brasileiras depois da ditadura militar, quando elas foram suprimidas. Último pleito a ser realizado antes do recadastramento eleitoral nacional promovido pelo TSE em 1986, o candidato de Brizola ganha as eleições pela esmagadora maioria do eleitorado carioca – embora Saturnino Braga fosse até 1982 apenas um político fluminense, ligado ao antigo Estado do Rio de Janeiro, eleitor de Niterói.
Antes mesmo da posse de Saturnino a primeiro de janeiro de 1986, o então vice-prefeito eleito, Jó Rezende, lança-se unilateralmente candidato a sucessão de Saturnino Braga no final de dezembro de 1985 sem ouvir ninguém, nem o próprio Saturnino. O acúmulo de poderes municipais nas mãos de Jó Rezende, por delegação de Saturnino Braga, e a compreensão de sua candidatura dificilmente passaria pelo PDT, partido a que se filiara na véspera da eleição de 85 e no dia em que sua candidatura a prefeito pelo PT seria anunciada, levam Jó a trabalhar pelo afastamento de Saturnino do PDT.  Em fevereiro de 1986 Saturnino anuncia a sua decisão de sair do PDT, filiando-se logo depois ao PSB – partido pelo qual se elegera uma vez deputado federal ainda na década de 60, partido qual voltaria – com o apoio de Brizola –  ao Senado Federal em 1998, derrotando entre outros os então candidatos Moreira Franco e Roberto Campos. A primeira suplência, segundo acordo acertado com Brizola, foi entregue ao vice-presidente regional do PDT do Rio, Carlos Lupi, com o compromisso de que Saturnino abriria mão da metade do mandato para Lupi assumir. O acordo não foi cumprido.
1986 – A Farsa do Cruzado e a derrota de Darcy Ribeiro
No final de seu primeiro governo no Rio, Brizola dá mais um aprova de coerência: em março de 1986, apenas seis dias após a edição do “Plano Cruzado”, ele condena, como presidente nacional do PDT, em cadeia nacional de rádio e televisão, a política econômica de José Sarney, que pretendia acabar com a inflação por decreto lançando o “Plano Cruzado” que, na opinião de Brizola, não passava de uma estratégia eleitoral. “Tudo isso são votos, votos e mais votos”, disse Brizola, explicando que a inflação “irá voltar com mais força, como volta uma mola que é comprimida contra a parede”.
O alerta solitário de Brizola – aquela altura, as vésperas das eleições de governadores, deputados e senadores – nem mesmo os demais partidos de oposição ousaram levantar a voz contra as medidas de Sarney – seria amargamente lembrado pelo povo brasileiro logo nos primeiros dias após a contagem dos votos das eleições de outubro, quando o congelamento de preços foi suspenso e os índices inflacionários subiram vertiginosamente. Ferozmente atacado pela mídia, impedido pelo TSE de se apresentar no horário eleitoral gratuito do PDT, Brizola vê o seu candidato ao governo do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro, perder a eleição para o candidato governista – Moreira Franco, que apelidara de “Gato Angorá”.
A Justiça Eleitoral, por conta do recadastramento, substituiu os velhos títulos eleitorais pelos novos, sem foto ou assinatura, dando um número a cada eleitor – procedimento que permitiu, 10 anos depois, em 1996, a introdução nas eleições brasileiras das urnas eletrônicas que o TSE dizia serem 100% seguras – apesar de serem infiscalizáveis e inauditáveis. 
 1989 – A eleição presidencial
A primeira eleição direta para presidente realizada no Brasil depois da ditadura dividiu o país basicamente em duas correntes: de um lado a direita reunida em torno do falso “caçador de marajás” representado por Collor de Mello, do outro os oposicionistas divididos entre PDT e PT. Apesar dos esforços de Brizola em busca da unidade, os dois partidos marcharam por caminhos próprios.  Preocupado com o escândalo da Proconsult e com fatos registrados nas eleições de 1986 no Rio de Janeiro, o PDT solicitou formalmente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma auditoria internacional para o programa de totalização de votos que seria empregado nas eleições presidenciais.
O TSE adiou várias vezes o julgamento do pedido e, em setembro de 1989, um mês antes do pleito, arquivou o pedido juntamente com outros pleitos do PDT, como o de que o partido ocupasse o mesmo tempo que o candidato Collor de Melo ocupara em rede nacional de TV, usando os tempos do PRN, partido de Collor, e de outro partido que o apoiava.
Ao final da apuração do primeiro turno das eleições presidenciais de 1989, após inexplicável interrupção de horas na apuração do Estado de Minas Gerais, o candidato do PT venceu Brizola com cerca de 0,5% de diferença entre eles. Um pouco antes do TSE anunciar oficialmente a vitória de Lula sobre Brizola por uma diferença de pouco mais de 400 mil votos, em um eleitorado de 86 milhões o TSE convocou entrevista coletiva com os meios de comunicação e nela os presidentes de sete institutos de pesquisa de opinião afirmaram, ao mesmo tempo e antes do resultado oficial, que Lula iria para o 2º turno com Collor de Melo.
A falta de transparência que marcou a apuração, gerando duvidas e suspeitas sobre o processo eleitoral de 1989, não impediu que Brizola, num ato de grandeza e desprendimento político, tomasse a decisão de apoiar Lula no segundo turno, transferindo todo o seu peso eleitoral para o candidato do PT que, graças a isto, obteve vitórias esmagadoras nos estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
1990 – O Segundo Governo no Rio de Janeiro
Em 1990 Brizola se elege Governador do Rio de Janeiro pela segunda vez com o extraordinário índice de 70% dos votos ainda no primeiro turno. Logo de início, se lança à tarefa de recuperação dos Cieps, criminosamente abandonados por seu antecessor, Moreira Franco. E não só isto: além de concluir as obras que haviam sido paralisadas e reimplantar a filosofia da escola de turno único, ampliou o Programa Especial de Educação com a criação dos ginásios públicos. Ao final do seu governo, 506 Cieps estavam funcionando, depois de um programa de obras 150 vezes maior do que a construção do Maracanã.
No segundo governo Brizola o Estado ganhou, ainda, a sua principal obra viária em várias décadas: a Linha Vermelha, uma via expressa que passou a ligar, ao longo dos seus 21,4 quilômetros, a Baixada Fluminense ao Centro do Rio, em apenas 20 minutos – além de criar um novo e moderno acesso para o Aeroporto Internacional do Galeão, realizada com recursos próprios do Estado em sua maior parte.
Outras realizações de grande envergadura, como o inicio do Programa de Despoluição da Baia de Guanabara (quase US$ 1 bilhão obtidos junto ao BID e ao governo japonês), a ampliação do sistema Guandu de abastecimento d’água e a criação da Universidade Estadual do Norte Fluminense, marcaram o segundo governo Brizola como um período de grande progresso e desenvolvimento para o Rio de Janeiro.
Apesar de tudo isso e de uma ação enérgica e transparente na área da segurança publica, com a punição exemplar dos responsáveis por atos de violência, como as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, uma campanha destrutiva dos meios de comunicação contra Brizola e o Rio de Janeiro, empalideceu na mídia esta fase de progresso para o Estado – criando falsa imagem de que o Rio de Janeiro era mais violento do que outras grandes cidades do país.
A elite, diante da decisão de Brizola de novamente disputar a presidência da República, ataca-o ferozmente através da mídia e procura atrelar sua imagem a imagem descendente de Collor de Melo, especialmente depois do momento em que Collor resolve, no plano federal, copiar o programa especial de educação de Brizola – que recebeu o nome de Centro Integrado de Apoio a Criança (CIAC). Veterano das “ondas” midiáticas para desestabilizar os governos de Getúlio Vargas em 1954, e de João Goulart, em 1963, Brizola não compactua com a crítica fácil dos mesmos que elegeram Collor em 1989 preocupado com a questão da governabilidade e do processo de desestabilização do governo Collor.
Vem a CPI e se tornam claras as manobras de bastidores de personagens como PC Farias e outros, num somatório de evidências e provas sobre a corrupção no governo Collor. Brizola determina e a bancada do PDT, por determinação do Diretório Nacional do PDT, é a primeira do Congresso Nacional a fechar questão favorável ao impeachment de Collor.
Mesmo assim – de má fé - a mídia e especialmente a Rede Globo de Televisão, que elegera Collor destinando a ele mais tempo de exposição do que todos os demais candidatos à presidência em 89 somados – insiste na versão de que Brizola se  “aliara” a Collor.
1993/1994 – 2a. Campanha presidencial e privatizações
Collor cai, ascende ao poder federal Itamar Franco e um novo ciclo de dificuldades passa a atrapalhar a segunda administração de Brizola no Rio de Janeiro. Ministro da Fazenda de Itamar, Fernando Henrique Cardoso sabota a construção da segunda etapa da Linha Vermelha, a que liga a Ilha do Governador a Baixada Fluminense, tradicional reduto eleitoral de Brizola - obra iniciada no Governo Collor em parceria com o governo estadual. FHC não libera as verbas, as obras param e ficam paradas durante meses, só recomeçam depois que Brizola se reúne com Itamar Franco e este dá ordens expressas ao seu Ministro para que liberasse os repasses federais. A obra recomeça lentamente, mas só termina depois das eleições presidenciais.
Ainda governador, ante o Plano Nacional de Desestatização (PND) aprovado pelo Congresso Nacional apesar do PDT ter fechado questão contra, Brizola critica a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Seu protesto é isolado, só encontra eco na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e no Movimento em Defesa da Economia Nacional, (Modecon), ambos presididos pelo jornalista Barbosa Lima Sobrinho. A midia apóia maciçamente as privatizações, a CSN é entregue ao empresário Benjamin Steinbruck.
Apesar da mídia e do quadro político desfavorável, Brizola passa o cargo para o vice-governador Nilo Batista em 1993 e se candidata, pela segunda vez, a Presidência da República, tendo como candidato a vice o professor Darcy Ribeiro. Brizola bate de frente com o Plano Real, amargando péssimas posições nas pesquisas, enquanto Lula, confortavelmente instalado na preferência do eleitorado, se poupa da polêmica seguindo os “conselhos” dos marqueteiros a serviço do PT. Fernando Henrique, atrás de Lula, navegando no “sucesso” do Plano Real, colhe os frutos do relativo sucesso popular da iniciativa.
No único debate realizado pelos candidatos a presidente na campanha presidencial de 1994, já com regras rígidas para impedir a discussão livre dos temas, Brizola conseguiu dar um cheque mate em Fernando Henrique o forte de Brizola, quando este disse em certo momento, referindo-se ao Plano Real, que “como gosta de dizer o governador Brizola, o Plano Real vem de longe”. Rápido no raciocínio e rompendo as regras, Brizola retrucou no ato: “É, eu sei, vem da Argentina”. Arrancando uma gargalhada geral e deixando Fernando Henrique visivelmente embaraçado com a situação. Daí em diante Fernando Henrique não foi mais a nenhum debate, adotando a tática de Collor de fugir da discussão para não se desgastar.
Lula ficou na situação de “preferido” das pesquisas – consideradas por Brizola um “oligopólio” com o beneplácito da justiça eleitoral – até a véspera da eleição quando, na reta final, é alcançado por Fernando Henrique e logo depois superado. Brizola percorreu novamente todo o país com sua pregação nacionalista, mas seus índices eleitorais continuaram ínfimos. Fernando Henrique vence a eleição com apoio total da mídia e dos agentes econômicos, Brizola e Lula, mais uma vez, são derrotados.
 No Estado do Rio, de forma absurda e inexplicável já que se elegera governador em 91 com mais de 50% de votos válidos – Brizola, com toda a sua bagagem política e verve, perde a eleição de 94 até para o então desconhecido candidato a presidente Enéas Carneiro, do Prona, que apresentava como plataforma eleitoral  na televisão, uma única frase que é bordão até hoje: “Meu nome é Enéas!”
A mídia, sempre hostil a Brizola, celebra a derrota e alguns jornalistas proclamam, de novo, a “morte” política de Brizola – como haviam feito em 1964, quando ele partiu para o exílio. Fernando Henrique toma posse prometendo “acabar com a era Vargas” e retoma, com força total, o projeto neoliberal iniciado no Governo Collor, atendendo as determinações do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e ao Governo dos Estados Unidos e sintetizadas no livro de Paulo Nogueira Baptista, “O Consenso de Washington”.
Fernando Henrique Cardoso entrega aos grupos nacionais e multinacionais empresas estatais lucrativas como a Vale do Rio Doce, o Sistema Telebrás e muitas outras – as chamadas “jóias da coroa” – em questionáveis leilões até hoje pendentes na Justiça, embora seus promotores usassem o tempo todo a expressão “ato jurídico perfeito” como resposta às acusações de ilegalidade no processo de desestatização – críticas feitas não só por Brizola, como nacionalistas do porte do veterano jornalista Barbosa Lima Sobrinho e de seus auxiliares na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon).
1998, Brizola vice de Lula e a “vitória” no Rio, com Garotinho
Fora do governo estadual, Brizola passa a se dedicar mais ao PDT até que quatro anos depois, em 1998, na tentativa de derrotar o projeto de reeleição Fernando Henrique Cardoso, Brizola estabelece uma aliança eleitoral com o Partido dos Trabalhadores (PT), aceitando a posição de vice-presidente na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva, para unir a esquerda, desde que no Rio de Janeiro fosse feito um grande acordo político envolvendo diversos partidos e que o PT apoiasse o candidato do PDT a governador, o ex-prefeito de Campos Anthony Garotinho. Apesar da reação de setores do PT, a senadora petista Benedita da Silva se elege vice-governadora na chapa de Garotinho, juntamente com o ex-deputado, ex-prefeito e ex-vereador Roberto Saturnino Braga, do PSB, que disputou a eleição como candidato único das oposições com o compromisso escrito de dividir o mandato com seu primeiro suplente, o ex-deputado federal e ex-secretário municipal, Carlos Lupi – também vice-presidente regional do PDT.
Brizola, depois da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, do Sistema Telebrás e de outras importantes estatais passa a se dedicar ainda mais a luta dos setores nacionalistas brasileiros, principalmente os liderados e próximos ao jornalista Barbosa Lima Sobrinho como a ABI, Modecon e Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet). Brizola dá integral apoio a luta contra as tentativas de retalhar a Petrobrás e alienar o controle das jazidas de petróleo brasileiro, o que – infelizmente – começa a ser feito na prática após a criação da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e o início das “rodadas de licitação” da agência criada por FHC.
Antenado o tempo todo nas questões que ferem a soberania nacional, Brizola morreu empenhado em denunciar a 6a. rodada de licitações da ANP marcada para agosto próximo para a entrega das chamadas “áreas azuis”, comprovadamente ricas em petróleo segundo a Petrobrás – um verdadeiro “crime contra o Brasil”, nas palavras de Brizola, só que agora perpetrado pelo presidente Lula da Silva, e sua ministra Dilma Roussef, uma ex-militante do PDT do Rio Grande do Sul.
Garotinho, eleito em 1998, antes mesmo antes da posse abala suas relações com Leonel Brizola por não ouvi-lo na escolha do secretariado preferindo, segundo expressão usada por Brizola “passear dentro do PDT, como quem passeia com um carrinho de compras dentro supermercado, pegando nas prateleiras o que o mais lhe agradasse e servisse”. A gota d’água para que a divergência entre os dois viesse a público foi a nomeação pror Garotinho, para a pasta de Secretário de Justiça do advogado Sérgio Zveiter, declarado adversário político de Leonel Brizola. As relações entre o governador recém eleito e Brizola se agravaram com a repercussão por toda a mídia das declarações de um e de outro.
2000, o candidato a Prefeito do Rio de Janeiro
Preocupado com o que considerava “avanço” de Garotinho sobre as bases do partido, Brizola decide se lançar candidato a prefeito da Cidade do Rio de Janeiro nas eleições de 2000, aos 78 anos de idade, como forma de “fechar” o partido, unindo-o em torno do seu nome com a campanha eleitoral. Brizola sai as ruas com grande entusiasmo, empenhando-se a fundo na busca do voto, percorrendo praticamente todos os bairros da cidade e visitando todas as principais favelas da cidade, repetindo a mesma tática eleitoral que empregara em 1982 e lhe garantira, junto com os debates políticos, sua espetacular vitória nas eleições. Seu empenho e suas andanças por todo o Rio de Janeiro, recepcionado calorosamente por onde passava, inexplicavelmente, não alteravam o quadro das pesquisas – que o colocaram o tempo todo como um dos últimos candidatos na preferência do eleitorado – sempre atrás de César Maia e Benedita, embora atraísse multidões nas ruas - fechando-as em alguns casos, tal o número de pessoas que espontaneamente se aproximavam dele. Umas pedindo autógrafos, outras um simples troca de palavra, outras querendo apenas vê-lo de perto.
Brizola atraiu multidões no calçadão de Campo Grande, no conjunto habitacional Amarelinho de Irajá, em Cordovil, no calçadão de Banfu, onde fez comício decima de jardineira; fechou a rua do Riachuelo quando visitou a entrada do Bairro de Fátima. Brizola lotou o largo de Vigário Geral falando para centenas de pessoas, o mesmo acontecendo no Largo do Bicão, em Irajá.  Brizola atravessou a pé a favela do Jacarezinho, entrando de um lado e saindo do outro, para prestigiar um candidato a vereador com reduto naquela localidade. O seu candidato a vice, Miro Teixeira, apareceu em uns poucos eventos de rua – preferindo se dedicar mais as aparições na tv.
Mas os seus votos em momento algum apareceram nas pesquisas, muito menos nos resultados produzidos pelas urnas eletrônicas que ele não cansou de denunciar em praça pública como máquinas infiscalizáveis que precisavam ser modificadas para que os resultados produzidos por elas pudessem ser auferidos e fiscalizados. Brizola realizou dezenas de mini-comícios pelas áreas populares da cidade também porque era o único candidato com total e absoluto transito em todos os lugares por onde passava. Aos 78 anos anos, vigoroso, subiu a pé o morro de São Carlos e andou praticamente a pé todo o conjunto habitacional de Cordovil, distribuindo bonés vermelhos com os dizeres Brizola Prefeito, PDT 12, disputados avidamente pelos eleitores e preservados com muito carinho especialmente pela população mais simples e mais pobre – varredores, flanelinhas, pessoas do povo – até hoje.
O candidato vencedor, César Maia, por exemplo, teve que sair as pressas do mercadinho da Cadeg, em Benfica, devido a violenta reação a sua presença devido a sua política de sistemática perseguição ao comércio ambulante. Brizola não foi hostilizado, pelo contrário, era saudado, por onde andasse na cidade do Rio de Janeiro. Mesmo assim as pesquisas insistiam em lhe atribuir os maiores índices de rejeição e os mais baixos índices de aprovação, praticamente delimitando a disputa entre César Maia e Benedita da Silva. Brizola não desistiu, pelo contrário, aproveitou a campanha para insistir na necessidade de se aperfeiçoar a legislação para o controle das pesquisas de opinião e, ao mesmo, ampliar a fiscalização dos cidadãos sobre as urnas eletrônicas. Veio a eleição e Brizola perdeu, confirmando o que as pesquisas eleitorais diziam e as urnas eletrônicas inauditáveis do TSE/TRE sacramentaram.
Em plena campanha há acirramento cada vez maior dos desentendimentos com Garotinho, fato que desemboca numa reunião convocada do Diretório Regional do Rio de Janeiro, convocado por Brizola, para discutir a expulsão ou não do partido do Governador Anthony Garotinho. O Diretório Regional do PDT/RJ fecha com Brizola, Garotinho é expulso do PDT.  Para evitar o desgaste maior, Garotinho se antecipa e sai do partido, assinando ficha no PSB em uma reunião de seu grupo político onde há um rito de “passagem” – antes de assinar a ficha no PSB, os pedetistas que acompanharam Garotinho na nova opção partidária, jogam as bandeiras do PDT no chão, substituindo-as pela da nova sigla.
Em seu últimos anos de vida política, Brizola paulatinamente aumenta o tom de suas críticas ao sistema eleitoral eletrônico em uso no país, com assessoramento dos técnicos do Fórum do Voto Eletrônico (www.votoseguro.org) - tornando-se um defensor incondicional da impressão do voto eletrônico, única maneira de que o cidadão, que nada entende de informática – ter a possibilidade de conferir se o seu voto foi corretamente dado aos seus candidatos, antes dele ser totalizado pela máquina. Brizola deslocou-se várias vezes a Brasília única e exclusivamente com a intenção de obter das autoridades do TSE a contra-prova em papel do voto eletrônico – a maneira mais simples de garantir a recontagem, solução hoje defendida nos Estados Unidos por todos os especialistas em informática que discutem a introdução, nos Estados Unidos, do voto eletrônico – tanto que máquinas semelhantes as usadas no Brasil, que se caracterizam pela impossibilidade de recontagem, já foram proibidas em seis estados norte-americanos.
2002, a última campanha - Brizola Senador
Em 2002, atendendo à necessidade de fortalecer o PDT, Brizola cedeu aos argumentos de companheiros e, juntamente com Carlos Lupi, saiu candidato ao Senado. No plano nacional, Brizola coordenou o apoio à candidatura de Ciro Gomes, numa aliança com o PTB e o PPS, depois de tentar, meses a fio, fazer com que o ex-presidente Itamar Franco se filiasse ao PDT e saísse candidato à Presidência da República. Itamar, que teria como candidato a vice Ciro Gomes, ficou na dúvida se sairia ou não do PMDB aceitando o convite de Brizola, acaba não saindo do PMDB e logo depois, torpedeado dentro do PMDB, deixa de ser possível candidato à Presidência da República. Brizola, por sua vez, não aceitar ser novamente candidato da presidente – embora seu nome tenha sido lançado com o apoio de dezenas de companheiros do PDT.
Por fim, sem opção e por considerar Lula despreparado, concorda em apoiar a candidatura do ex-governador do Ceará Ciro Gomes, pelo PPS. Para governador do Rio de Janeiro, Brizola indica o jovem prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, considerado um dos melhores administradores municipais do país e filho da maior liderança trabalhista do antigo Estado do Rio de Janeiro, governador Roberto Silveira. Para fortalecer a chapa no Rio e atendendo a apelo de companheiros, Brizola aceita disputar uma vaga no Senado ao lado de Carlos Lupi.
A mídia, mais uma vez, sob o falso argumento de que as eleições presidenciais tinham prioridade, negavam espaço jornalístico à campanha pelo governo estadual e pelo Senado, ao mesmo tempo em que era preparado, via institutos de pesquisa, o terreno para uma nova “morte política” de Leonel Brizola. Ao contrário da eleição para Prefeito, Brizola deixa a campanha de rua a cargo de Jorge Roberto e Carlos Lupi, dedicando-se apenas as gravações de televisão – para os programas nacionais, de apoio a Ciro Gomes, e para os programas estaduais, pedindo votos para ele, para Lupi e para Jorge Roberto Silveira.
Político mais experiente do Brasil, com 60 anos de vida pública, Brizola confia na sua experiência e na força do que chamava de seus “pensamentos conclusivos” para tocar a campanha para o Senado e, ao mesmo tempo, apoiar as campanhas – através do horário eleitoral gratuito e inserções no rádio e televisão, regionais e nacionais – de Ciro, Jorge Roberto e Lupi. No Rio de Janeiro a campanha se desdobra sem debates para o Senado, embora eles aconteçam para governador e para presidente da República, relegada a segundo plano pelos meios de comunicação, a campanha para o Senado se restringe a permanente divulgação, via mídia, de que os candidatos “a”, “b”, “c”, etc – ocupavam tais e tais lugares na preferência do eleitorado – sem espaço para projetos, iniciativas, políticas públicas.
Ciro sobe nas pesquisas, chega perto da ponta segundo as mesmas pesquisas eleitorais que Brizola não cansou de atacar como cartelizadas, mas cai e finalmente, perto do primeiro turno, diante da possibilidade – dita pelas mesmas pesquisas, de que Lula poderia ganhar as eleições já no primeiro turno – Brizola sugere a Ciro Gomes que abra caminho para Lula, facilitando o caminho dele para a Presidência – derrotando Serra de uma vez. Ciro não aceita a sugestão, rompe com Brizola, Lula vai para o segundo turno. Na eleição para as duas vagas para o Senado, onde Brizola era praticamente o segundo candidato  na preferência de muitos eleitores – até os do PT – Brizola inexplicavelmente amarga um sexto lugar, atrás – pela ordem – do ex-deputado estadual Sergio Cabral Filho, aliado do governador Garotinho e desafeto de Marcelo Alencar; do deputado federal Crivella, homem de confiança do “bispo” Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, que soma 3,2 milhões de votos embora tradicionalmente o eleitorado evangélico no Rio de Janeiro nunca tivesse ultrapassado 1,8 milhão de votos; do jornalista Paulo Alberto Monteiro de Barros, mais conhecido pelo pseudônimo de Arthur da Távola; e do “bispo” Manoel Ferreira – um absoluto desconhecido fora das rodas evangélicas, também ligado ao governador Garotinho – que fez questão, quando Brizola esteve na rádio CBN onde ele já se encontrava, de posar ao lado do que ele próprio definiu como “uma das maiores lideranças políticas do Brasil”, na presença dos jornalistas presentes – inclusive o titular do programa,  Sidney Rezende.
Lula vence no plano federal, no plano estadual vence a candidata Rosinha Garotinho, enquanto Brizola e o PDT amargavam nova derrota imposta pela união de fortes interesses.
No dia seguinte ao anúncio da vitória de Lula no primeiro turno, Brizola recebe em sua casa uma ligação de Luiz Inácio da Silva quando estava reunido com assessores que acompanharam, no TRE do Rio de Janeiro, a dança dos números da apuração que, em determinado momento, deram para Lula resultado negativo em milhares e milhares de votos. Lula pediu apoio do PDT para o segundo turno, prontamente dado por Brizola em nome de todo o PDT, que abertamente – mais uma vez – apoiou integralmente uma candidatura de Lula à Presidência da República.
No segundo turno das eleições presidenciais, Leonel Brizola e o PDT proclamam apoio a Lula, com a intenção de “barrar o continuísmo de FHC”, representado pelo candidato José Serra. Os trabalhistas se dedicam com afinco a candidatura Lula e o candidato do PT, com integral apoio de Brizola e de todo o PDT, finalmente chega a Presidência da República depois de disputar três vezes a eleição. Eleito com 53 milhões de votos, antes mesmo de empossados, Lula e seus liderados tiram a máscara ao entregarem a direção do Banco Central aos banqueiros, atrelando-se ao FMI. Lula, sem ouvir Brizola, nomeia Miro Teixeira Ministro das Comunicações e abre uma crise com Brizola que exigia que a direção do partido fosse ouvida institucionalmente, antes do PT partir para nomeações e cooptação de quadros pedetistas. As críticas de Brizola foram num crescendo até que se tornaram públicas quando, numa única reunião, o ministro-chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, empregando práticas clientelistas e unicamente preocupado em ampliar a  base parlamentar do Governo, sem qualquer compromisso com o antigo, coopta cerca de seis deputados do PDT com a ajuda de Miro Teixeira e sugere o ingresso deles no PTB.  Brizola se atrita com Miro e pouco depois não resta ao antigo líder do PDT outro caminho que não seja o de deixar o PDT, trocado pela legenda do PPS.
Preocupado com a política agressiva de cooptação do PT, em dezembro de 2003, Brizola pede e o Diretório Nacional do PDT atende, votando a saída do partido da base de apoio ao governo, determinando a todos os seus filiados que entregassem os poucos cargos que detinham na administração federal. O episódio marcou, mais uma vez, espaço para que oportunistas se abrigavam sob o manto brizolista fizessem sua opção preferencial pelo poder, abandonando o debate de idéias e as lutas do povo trabalhador. Ao mesmo tempo que outros companheiros, que isoladamente ocupavam cargos no governo federal, atendem ao chamamento partidário e devolvem no tempo aprazado, 30 de janeiro de 2004 – os cargos que ocupavam no governo do PT.
Aproximando-se as eleições municipais, preocupado com a questão nacional, uma semana antes da realização do Encontro Nacional do PDT em São Paulo, nos dias 4 e 5 de junho últimos, sua última participação em evento público – falando no edifício Orly, sede do Diretório Nacional, para um grupo de dirigentes partidários procedentes de todo o Brasil, Brizola manifestou sua certeza de que o Brasil, nos dias de hoje, vive um momento de virada.
Argumentou que via os dias de hoje, diante da decepção da população com a política de Lula e do PT, tempos semelhantes ao que vivera em 1961, pouco antes do desencadeamento da Campanha da Legalidade. Brincando, disse que naqueles dias, embora fosse governador do Rio Grande do Sul, evitava passar perto até de filas de ônibus “para não levar vaias”. Explicou que o Marechal Lott tinha perdido as eleições, Jânio Quadros, o novo presidente, isolara João Goulart e ele, lá no Rio Grande do Sul – atravessava momentos dificílimos para governar.
Então veio a tentativa de golpe dos ministros militares que tentaram impedir a posse de João Goulart, que estava na China. Ele, indignado com a situação, decidiu reagir e convocou seus companheiros para a reação – desencadeando a Campanha da Legalidade. Segundo Brizola, tudo virou, as pessoas começaram a afluir a praça fronteira ao Palácio Piratini – virou história.
Na sua opinião, concluiu, o PDT vive momentos muito parecidos com os que ele viveu naquela época pouco antes do início da Legalidade, mas que ele acreditava na virada, que os ventos da história estavam soprando a favor do PDT. Explicou que o governo federal não só cai nas pesquisas como cada vez afasta-se mais das pessoas que o elegeram, que acreditava que a campanha eleitoral de outubro próximo, na verdade, vai ser nacionalizada e o início da campanha eleitoral de 2006.
Brizola garantiu que, na sua visão, as campanhas eleitorais para as eleições municipais de 2004 e a presidente de 2006, serão uma só. Por isso estava disposto a disputar as eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro, em 2004.
Brizola morreu empenhado em construir condições para que a proposta política do PDT se fortalecesse em todo o país através do Encontro Nacional do PDT realizado em São Paulo, sua última aparição pública onde, proferiu seu último discurso – mostrando didaticamente toda a sua disposição para a luta e a importância de se preservar as memórias de Vargas, João Goulart e Marcondes Filho, pais do Trabalhismo.
Brizola em seguida foi para o Uruguai e de lá voltou, sozinho e em avião de carreira, já doente. Morreu na cancha confirmando uma das milhares de frases que eternizou no dicionário político do Brasil: cavalo de raça morre na pista.
(colaboraram neste texto Osvaldo Maneschy e Antonio Oséas - 21/6/2004)